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Leonardo Coutinho

Leonardo Coutinho

Brasil, América Latina, mundo (não necessariamente nesta ordem)

Brasil-China

A espera de uma nova independência do Brasil

O líder chinês, Xi Jinping, ao lado do presidente do Brasil, Lula. (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

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O primeiro passo para se tornar dependente de fato é acreditar na dependência.

O Centro Empresarial Brasil-China, um grupo de lobby empresarial binacional, divulgou os números mais recentes dos investimentos chineses no Brasil. Eles comemoraram um aumento de 33% em 2023, em relação ao ano anterior. Parece muito, mas só que não.

Em 2022, os investimentos chineses no Brasil atingiram o seu patamar mais baixo do período estudado, que começa em 2010. Na prática, o grande salto de 33% é um voo de galinha. Saltou de  US$1,3 bilhão para US$1,7 bilhão. Doze anos antes, a China despejou US$12,8 bilhões no Brasil. 

Os autores do estudo justificam que o Brasil está barato por causa do câmbio. Ou seja, dá para fazer a mesma coisa de antes com muito menos dinheiro, em dólar. Pode ser, mas só que não.

O Brasil está barato por outros motivos. Assim como um aparelho ortodôntico de antigamente, o Brasil custou caro na hora da instalação. Depois é só pagar a taxa de manutenção.

Ao se transformar em cliente quase único de alguns de nossos principais produtos de nossa carteira de produtos de exportação, o Brasil deu à China um instrumento poderoso. Eles nos fizeram acreditar que o Brasil depende da China ao mesmo tempo em que esconderam que a China também depende do Brasil. Mas os brasileiros temem em reproduzir como papagaios a primeira parte da história.

Em 2020, nos primeiros meses da pandemia de Covid-19, os chineses fizeram uso desse poder. Mandaram e desmandaram. Angariaram defensores e amplificadores de suas mensagens dentro da maioria da imprensa, do parlamento e do setor produtivo. Parecia que chatear os chineses era mais mortal que o vírus que havia recém-chegado da China.

Além de comprar commodities, os chineses também são donos de quase tudo, no setor elétrico, portos e vários outros negócios. Os números sugerem que eles já têm o que precisam, no momento.

Todos os dias 7 de setembro relembramos a Proclamação da Independência, sem o mesmo sentido dos americanos, que veem o 4 de julho de 1776 como a data de nascimento dos Estados Unidos.

Não se trata nem das diferenças do que vem a ser a relação com patriotismo em cada um dos países, ou muito menos o clássico desmazelo brasileiro com a sua história. A Independência do Brasil parece ter sido incompleta ou mais provavelmente menosprezada pelos próprios brasileiros.

A facilidade com que a China comprou deus o mundo no Brasil é apenas um sintoma dessa falta de sentimento de proteção dos interesses do país

Para entender isso um pouco melhor, e para além do Fla-Flu ideológico, não estou falando de relações comerciais e exportações. A China é um parceiro fundamental. Inevitável. Portanto, qualquer discussão que tente afastar os chineses ou “bloqueá-los” é infrutífera e cai no descrédito.

A discussão precisa se dar em outro nível. Até que ponto os interesses comerciais devem se sobrepor aos aspectos estratégicos nacionais? Seja eles com China ou Estados Unidos? Até que ponto os dólares, que chegam por meio das exportações, podem fazer sombra à democracia, aos direitos humanos e à liberdade?

É bem complicado pensar que o Brasil não consegue se impor a nada. Não pode incomodar a China, pois é a maior parceira comercial. Não é capaz de emparedar Nicolás Maduro – mesmo nos anos de Jair Bolsonaro –, pois o ditador venezuelano ameaçava cortar a energia de Roraima.

O Brasil não consegue se posicionar como um ator confiável em negociações de paz, porque sempre está com o rabo preso com um dos lados da contenda. Foi assim nos acordos nucleares com o Irã, no tema da guerra de invasão da Rússia na Ucrânia, e no conflito entre Israel e Hamas, apenas para citar alguns fracassos provocados não por nossa relevância, mas por subserviência.

Embora a diplomacia nesses casos tenha se autoproclamado como “ativa e altiva”, ela estava atuando como linha auxiliar dos donos do clube sul-sul, que dão as cartas desde Pequim. Além do PC Chinês, Vladimir Putin faz um bom uso da turma em favor de seus interesses.

E o Brasil? Ah… o Brasil é o contínuo que pensa ser o CEO.

“Mas que complexo de vira-latas?” certamente dirão os nacionalistas russófilos - uma categoria que tem se alastrado como mato no Brasil. Mas não é isso não. O Brasil pode muito mais, porém, está cada vez podendo menos.

O país se apequena por muito pouco. Pouco mesmo. Seja nesse negócio de rastejar para os chineses, seja pela implosão sistemática, sob aplausos, de nossas liberdades.

Mudando para nossos problemas puramente internos, não dá para negar que o Brasil deu um cavalo de pau nos valores democráticos. A promessa é que tudo vai ficar melhor. É insólito demais pensar que para a manutenção da democracia estejamos tolerando ou sendo obrigados a aceitar prescrições ditatoriais.

Mais um 7 de Setembro chegou, mas seguimos à espera da Independência - de uma nova independência.

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Conteúdo editado por: Aline Menezes

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