| Foto: Marco Verch/Creative Commons 2.0
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A invasão russa na Ucrânia completou um mês. As análises que emergem deste período dizem que Vladimir Putin errou feio. Calculou mal a capacidade de reação dos ucranianos e as retaliações do Ocidente. Uma virada em relação às primeiras apostas, que sugeriam que uma blitzkrieg coordenada pelo Kremlin seria um passeio. Afinal, a superioridade militar russa é incontestável. No geral, parece que algo deu errado para Putin.

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O fato mais insólito da invasão foi a própria invasão, em si. Por que Putin usou de um método convencional de guerra se estava mandando tão bem nas outras formas de luta, entre as quais a desestabilização por meio da desinformação? As hipóteses são várias. Seguem duas delas.

Certa vez, um general da antiga União Soviética me contou como era a vida por lá. E como ele, um ucraniano, via os russos. Em resumo, ele dizia se tratar de um povo que preza por líderes fortes. Segundo o general, “fortaleza” não se traduz apenas no autoritarismo, que é um traço em comum entre os líderes russos mais bem-sucedidos. Para agradar, quem está no comando tem que promover autoestima e a sensação de segurança calcadas sobre pilares de nacionalismo e tradicionalismo que são fundamentos da sociedade local. A invasão russa foi projetada há anos, talvez ainda na primeira metade dos anos 2000, quando ocorreram as revoluções coloridas na Geórgia, Quirguistão e na Ucrânia, quantos estes países reagiram à influência de Moscou e pressionaram por alianças com o Ocidente.

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Em 2013, os ucranianos iniciaram uma onda de protestos contra uma decisão do então presidente Victor Yanukóvich – um boneco de ventríloquo do Kremlin que se recusou a assinar um acordo de cooperação com a União Europeia –, que acabou sendo deposto, e Vladimir Putin invadiu a Crimeia no ano seguinte. Disse que fazia o que fez para salvar os russos que viviam naquela região dos fascistas. Putin, na realidade, salvava a própria pele. Vislumbrando que o mau exemplo ucraniano poderia detonar ondas internas de protestos, Putin foi para o ataque. Ativou o nacionalismo russo com o argumento da proteção de seus cidadãos em uma região. Assim, ele remou até aqui com muito sucesso.

O mundo inteiro sentiu os efeitos da pandemia. Na Rússia, não foi diferente. Desde agosto do ano passado, os números de mortes per capita eram maiores que os registrados no Brasil. Suspeita-se que o quadro seja ainda pior, com número absoluto de mortes que supera o brasileiro.

Putin estava em apuros.

A segunda hipótese é um pouco mais sombria e indica um rearranjo do mundo. Putin teria cavado um pênalti. Provocado uma crise para detonar um plano de isolamento do Ocidente. Teoria bem conspirativa, mas que parece ter pé e cabeça. Estando correta, a guerra convencional foi a opção de Putin para atiçar as sanções ocidentais e consequentemente consolidar a fundação de uma nova ordem (e pelo amor do Pai, senhoras e senhores, o que estamos tratando aqui não tem absolutamente nada a ver com a alucinação chamada NOM – que por sinal, aposto, foi gestada e parida nas oficinas de desinformação russas).

A nova ordem que parece surgir tem conexão com o mundo real, com a fundação de um sistema financeiro paralelo com cada vez mais países sendo atraídos por um ambiente de transações e pagamentos capaz de acomodar operações lícitas, mas também aquelas não compatíveis com um modelo regido por regras e transparência.

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Estados criminalizados como a própria Rússia e a Venezuela, regimes terroristas como o Irã, países avessos à transparência e o próprio crime organizado transnacional sonham com um sistema financeiro das trevas que lhes permita operar à margem dos avanços civilizacionais.

A China já tinha a solução e já vinha lentamente tentando atrair adeptos. Mas ao invadir a Ucrânia, Putin criou a justificativa. Desde o início de sua ofensiva militar, o isolamento provocado pelas sanções tem tornado o sistema CIPS, a alternativa chinesa ao SWIFT, cada vez mais robusto.

Não é só dinheiro. É poder. Uma reinvenção do poder. Um processo tão profundo que pode jogar por terra a globalização. É possível que estejamos vivendo um momento de tectonismo geopolítico e econômico.

Ao mesmo tempo que preparava o terreno para a invasão, Putin fez outro tipo de incursão. Investiu em caos, desinformação e instabilidade. Em seu mais recente trabalho, o venezuelano Moisés Naím descreve como a Rússia de Putin apostou na polarização e na instabilidade para tirar vantagem do Ocidente. Em The Revenge of Power: How Autocrats Are Reinventing Politics for the 21st Century (Em tradução livre: A vingança do poder: como os autocratas estão reinventando a política para o século XXI), Naím descreve como a polarização, populismo e pós-verdade são três ingredientes complementares e úteis para a estratégia de manutenção e expansão do poder.

No caso de Putin, ele aprendeu a explorar as sutilezas dos conflitos de cada realidade nacional para dizer o que cada lado quer ouvir. Na França e Espanha, imigração; no Brasil, Internacionalização da Amazônia; nos Estados Unidos, manipulação das eleições. Não por acaso, no Brasil, a tropa de putinminions reúne os talibãs do petismo radical aos seguidores mais sectários do bolsonarismo. Um ecossistema aparentemente independente, mas que se mutualiza.

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Putin não é o super-homem que seus fãs e sua máquina de propaganda querem vender. Mas Putin também não é estúpido ao ponto de se matar politicamente em um movimento tão claramente abrupto e oneroso.

Putin inventou uma guerra dentro de uma outra guerra. Mas qual é a guerra que está em curso?

O conceito de guerra híbrida – que é aquela que, além do convencional, usa uma série de outros modos de ataque (ciberguerra, desinformação, diplomacia, ações irregulares, corrupção, captura de elites, narcotráfico e uma outra infinidade de estratégias) – caiu na boca do povo, mas talvez não seja o suficiente para explicar o que talvez esteja em curso e o que está por vir.

Estamos em guerra. Mas parece que não sabemos em qual, muito menos os minions de Putin.