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O primeiro debate entre o presidente Donald Trump e o democrata Joe Biden trouxe o Brasil para dentro de um dos assuntos mais espinhosos da disputa eleitoral: o ambiental. Biden disse:
“As florestas tropicais do Brasil estão sendo destruídas. Mais carbono é absorvido naquela floresta do que é emitido pelos Estados Unidos. Vou garantir que vários países se juntem e digam: aqui estão US$ 20 bilhões. Parem de destruir a floresta. E se vocês não pararem, então sofrerão significativas consequências econômicas”.
Atordoado pela pancadaria que foi o primeiro embate com Trump, Biden soltou a proposta, meio perdida no debate, que enviará US$ 20 bilhões para o Brasil parar de desmatar. Caso contrário, sancionará duramente o Brasil. Foi a segunda vez que disse isso em público. A primeira foi em março deste ano, mas quase ninguém prestou atenção.
Agora, sob os holofotes de todo o mundo, o candidato do Partido Democrata repetiu a tese de criar um fundo para pressionar o Brasil a parar de destruir floresta. Para justificar, o presidenciável disse que anualmente a floresta absorve mais carbono do que os Estados Unidos são capazes de emitir no mesmo período.
Em uma combinação de exagero e desinformação, por pouco, Biden poderia ter sido mais uma vez ridicularizado pelas gafes de sua campanha. Mas ele saiu ileso, e por uma razão muito simples. Por mais absurda, exagerada e até mentirosa em alguns de seus pontos, a fala sobre a Amazônia foi destinada ao público interno, que espera que ele diga exatamente o que disse sobre a pobre e mal interpretada Amazônia.
O desatino de Biden ganhou as manchetes mundiais não pela sua relevância, mas pela reação de proporções amazônicas do governo brasileiro, sempre embalado pelo noticiário subequatorial. O presidente Jair Bolsonaro poderia, simplesmente, ter ignorado os erros de Biden ou saciado sua vontade revidar apenas retificando a informação e soltando um suave “se ele vencer a eleição e realmente vier com essa proposta, aí a gente conversa”.
Mas com seus números equivocados e sua postura ameaçadora, Biden conseguiu jogar gasolina na inflamável política brasileira. Mas em que ele errou, exagerou ou mentiu?
Apesar de a Amazônia ser um poderoso sorvedouro de dióxido de carbono, ela é também um ecossistema que produz naturalmente quantidades colossais do mesmo gás. Ou seja, quase tudo aquilo que a maior floresta tropical do planeta limpa foi ela mesma que sujou.
Biden erra feio quando diz que a Amazônia absorve em um ano mais do que os EUA são capazes de emitir de CO2 no mesmo período. Ainda que se ignore que quase tudo o que a floresta processa são gases gerados por ela mesma, a capacidade de absorção não alcançaria metade das 5,1 bilhões de toneladas de dióxido de carbono produzidas a partir da queima de combustíveis fósseis nos EUA.
Na crise dos incêndios florestais de 2019, a vice de Biden, a senadora Kamala Harris, foi ao Twitter dizer que a Amazônia é responsável pela produção de 20% do oxigênio do planeta. Como já foi explicado acima, a floresta não tem essa capacidade. Assim como a postagem de Kamala nunca foi corrigida ou deletada pela mentira flagrante, ela e o seu titular seguem dizendo as besteiras que dizem sobre a floresta.
Ao ameaçar o Brasil com sanções por estar “destruindo a floresta”, Biden oferece o remédio errado para o problema. E o mais sombrio é o clima de comemoração entre aqueles que se posicionam como defensores do meio ambiente. Só por uma bobagem dessas os brasileiros deveriam torcer seriamente por uma vitória de Donald Trump.
Nem todo desmatamento na Amazônia é ilegal. Uma parte dele ocorre dentro de áreas privadas e de forma totalmente legal. Talvez nenhum político americano (de Biden a Trump) tenha a ideia de que na Amazônia apenas 20% da propriedade pode ser utilizada para atividades produtivas que envolvem desmatamento.
As sanções que Biden e uma certa categoria de brasileiros defendem pune exatamente quem tenta produzir dentro da lei e nunca foi premiado por isso. Sanção nunca atingiu e jamais impedirá que os criminosos sigam atuando na região.
Caso ganhe a eleição e realmente queira fazer algo para a majestosa floresta tropical, Biden deveria destinar o mesmo dinheiro que prometeu para que o Brasil possa reforçar a presença do Estado e para que os produtores, enfim, sejam recompensados e estimulados a produzir conforme protocolos já testados.
Biden não deve fazer a menor ideia de que a Amazônia brasileira não é um matagal desabitado. A região é o lar de 29 milhões de pessoas que não podem ser privadas de sua subsistência e direito ao desenvolvimento – o que não deve ser entendido como devastação inevitável. Para fins comparativos, Biden e Kamala se surpreenderiam ao saber que a população amazônica é maior que a de 49 dos 50 estados americanos (perde apenas para a da Califórnia).
O candidato democrata ignora o fato de que apesar de ter a maior porção de floresta, o Brasil compartilha o bioma amazônico com mais oito países que, em graus diferentes, também enfrentam problemas para mantê-la em pé.
Os assessores de Biden deveriam chamar-lhe a atenção para o fato de que o Irã – uma das maiores fontes de instabilidade no Oriente Médio e inimigo de primeira hora dos Estados Unidos – tem recheado os seus cofres com ouro extraído ilegalmente da Amazônia venezuelana. Ouro usado para comprar armas, pagar terroristas e financiar, inclusive, um programa nuclear nitidamente feito para ameaçar os Estados Unidos e seus aliados.
Biden não faz a menor ideia, mas nos últimos 15 anos a Bolívia perdeu 4,95% de sua floresta amazônica, a Colômbia perdeu 3% e o Peru, outros 2%. E não foi para produzir comida. Em sua maioria, a área devastada foi substituída por áreas de cultivo de folhas de coca.
A cocaína que vem do desmatamento da Amazônia existente nos três países é o combustível da violência que transformou a América Central no lugar mais violento do mundo. O resultado direto, alguém deveria explicar para Biden, é a inundação de drogas no mercado americano, que vem acompanhada de uma turba de imigrantes que tentam fugir da miséria e da barbárie das gangues.
Mas Biden quer impor sanções ao Brasil.
A Amazônia é uma terra de mitos superlativos. O próprio nome da floresta vem de um. Os conquistadores espanhóis que desceram o rio Amazonas pela primeira vez batizaram o lugar assim por acreditarem que se tratava de uma terra de guerreiras mitológicas. Já foi o El Dorado. Nos anos 1990, chegou a ser chamada de “pulmão do mundo” – olha como Kamala está desatualizada – e foi apresentada como o reservatório biotecnológico capaz de trazer respostas para todas as doenças.
Mais uma vez a pobre Amazônia volta ao centro de um mito e confusão. O mundo tem sim uma dívida com o Brasil, sobretudo com os amazônidas, que sempre pagaram sozinhos a conta da preservação da floresta. Mas não será com o pé no pescoço dos brasileiros que a Amazônia será protegida.