O primeiro ato de Sergio Moro como ex-ministro foi exibir no Jornal Nacional a reprodução de uma troca de mensagens entre ele e a deputada federal Carla Zambelli por meio do aplicativo WhatsApp. Muito antes, em junho de 2019, o então ministro da Secretaria de Governo da Presidência, Carlos Alberto dos Santos Cruz, deixou o governo depois de um processo de incineração que teve início com a divulgação de capturas de tela do aplicativo. As mensagens, posteriormente consideradas falsas pela Polícia Federal, mostravam críticas de Santos Cruz ao presidente Jair Bolsonaro.
Não são só os prints que povoam o noticiário e as redes sociais. Há também as mensagens de áudio. Nas mãos dos políticos brasileiros, o WhatsApp se transformou em uma máquina de crises. Os dias que se seguiram à renúncia de Moro foram seguidos de prints e as investigações que virão terão como foco essas conversas.
O episódio do roubo de mensagens do aplicativo Telegram instalado no celular de Sério Moro e de mais de 1.000 pessoas deveria ter servido de lição para as autoridades para que tivessem mais cuidado com as comunicações oficiais e juízo. Muito mais juízo.
Mas o vazamento de informações que teve a Lava-Jato como alvo não serviu para nada. A demissão de Santos Cruz, tampouco. As dezenas de mensagens e áudios que “escaparam” de grupos em grupos ou simplesmente foram encaminhadas para jornalistas também não serviram de lição para membros dos três poderes.
No Brasil, do vereador da mineira Serra da Saudade ao presidente da República, o WhatsApp se transformou em objeto de trabalho. Ou compulsão. Sob a justificativa da praticidade, o aplicativo se transformou em uma armadilha que coloca não só a segurança de informações de Estado em risco, como é fonte de crises. Se por um lado faz a alegria do noticiário e ajuda a população a conhecer melhor o que antes ficava restrito aos cochichos dos poderosos, o comportamento de risco das autoridades escancaram a porta para que mal-intencionados possam ter acesso a segredos de Estado ou conhecer os passos do governo.
Entre 2009 e 2013, a então secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, usou um servidor pessoal instalado em sua casa para manter comunicações oficiais. Segundo ela, por praticidade. Segredos de Estado e informações sensíveis transitaram fora dos sistemas do Governo Americano, pela comodidade da democrata. O caso deu origem a uma série de escândalos que serviram para ajudar a enterrar a candidatura de Hillary à presidência dos Estados Unidos, em 2016.
Por mais inocente que Hillary pode vir a ser, sua atitude colocou em risco a segurança nacional. Nos Estados Unidos essa é uma preocupação que não tem partido. A derrapada dela não desceu bem para muita gente.
“Mas, nos Estados Unidos, segurança nacional tem outro significado que no Brasil”. É a desculpa recorrente. É evidente que a escala das ameaças é diferente, mas resvala à ingenuidade pensar que o Brasil vive em uma bolha.
Enquanto os brasileiros se iludem, a espionagem grassa. E na “República do Zap” em que se transformou o Brasil, a atividade deve ter ficado ainda mais fácil e produtiva.
Quando foram vazadas as mensagens dos membros da Força Tarefa da Lava-Jato, o Planalto tentou amainar a crise relembrando que o presidente e seus ministros são servidos por telefones criptografados desenvolvidos pela Agência Brasileira de Inteligência, a Abin.
Algo irrelevante, considerando que tais telefones parecem que não são os preferidos dos poderosos. Nos tais aparelhos não funciona o WhatsApp, Telegram e outras arapucas que os políticos insistem em seguir usando. Basta ver que os prints e áudios seguem jorrando em vazamentos seriais.
Comparar é sempre bom. Alguém já viu uma captura de tela reproduzindo conversas da primeira-ministra alemã Angela Merkel ou do presidente russo Vladimir Putin, apenas para ficar em dois exemplos de jogadores da primeira liga?
Além do risco de alguém passar as mensagens para frente, como virou praga no Brasil, há, sim, o potencial da hackers criminosos ou agentes de estados interceptarem as conversas.
O Facebook, que é dono do WhatsApp, já reconheceu falhas na segurança da plataforma e uma processo corre na Justiça dos Estados Unidos contra uma empresa que explorou essas falhas e vendeu serviços de espionagem contra ativistas, jornalistas e políticos.
No Brasil não há lei que impede políticos de usar esses sistemas para assuntos de Estado. Mas deveria haver. Nos Estados Unidos isso passou a ser bem definido depois do caso Hillary, já citado anteriormente.
As falhas de segurança que os americanos experimentaram e que levaram aos vazamentos como o realizado pelo roubo de dados por Edward Snowden sempre resultam em um tipo de aprendizado. Por exemplo: nenhum computador da administração federal está habilitado a receber pendrives. Dados entram ou saem por e-mails oficiais e arquivos podem ser gravados ou inseridos em DVDs que são inspecionados por poderosos sistemas de antivírus.
No Brasil, e não se trata de uma hipótese, são altas as chances de qualquer um que oferecer um pendrive para “mostrar” algo para alguém no governo, conseguir que a mídia seja espetada no computador do incauto. “É um problema cultural”, definiu um funcionário responsável pela segurança em um dos ministérios. Se ele estiver certo, pode ter certeza, a Covid-19 vai embora, mas o WhatsApp seguirá mantendo o baile animado.
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