Manifestantes realizaram protesto em Bogotá em março para lembrar que a violência continua depois do acordo de paz de 2016| Foto: EFE/Mauricio Dueñas Castañeda
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O governo da Colômbia e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) assinaram em 2016 um acordo de paz que, na teoria, levou ao fim da guerrilha no ano seguinte. Cerca de 7 mil narcoguerrilheiros entregaram as armas e os envolvidos receberam um Prêmio Nobel pela paz obtida depois de mais de meio século de guerrilha e terrorismo que provocaram mais de 260 mil mortes.

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Na semana passada, esta coluna tratou de um dos efeitos duradouros da guerra, que são as minas terrestres. Ainda existem milhares delas enterradas na Colômbia, matando ou mutilando, em uma taxa de mais de uma pessoa por dia. Ainda que as autoridades locais trabalhem para desenterrar as armadilhas, novas minas não param de surgir e são instaladas pelo interior do país. São instaladas por traficantes para proteger seus cultivos de coca e pela guerrilha armada, que nunca deixou de existir.

Os colombianos assinaram um acordo de paz, mas a paz nunca chegou.

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As Farc nunca deixaram de existir. Logo que entregaram as armas e saíram da ilegalidade, viraram partido político. Abandonaram o nome Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia para assumir a identidade de Força Alternativa Revolucionária do Comum. Como se pode observar, o acrônimo Farc ficou intacto. Mas a desfaçatez não foi tolerada por muito tempo e em 2021, eles resolveram se rebatizar como Comunes.

A justificativa de seus dirigentes era muito simples. Eles não se negavam como sendo Farc, tampouco estão dispostos a renegar o seu DNA de violência, extorsão, tráfico de drogas e terrorismo. Segundo eles, a legenda sofre com o estigma que setores reacionários impõem a ela. Portanto, Comunes foi o nome fofo escolhido para tentar limpar o passado criminoso da organização.

Além do partido com nome fantasia, as Farc seguiram sendo as Farc, mas como supostas dissidências. A guerrilha se manteve de forma compacta, pois já não têm o mesmo nível de resistência do Estado, e assumiu de vez as atividades cocaleiras e de lavagem de ativos.

Esta coluna foi escrita de Bogotá. É angustiante ver pelas ruas da capital colombiana ônibus, que servem ao sistema de transporte público, exibindo em seus letreiros luminosos os dizeres “Não ao terrorismo”. Mais angustiante ainda é parar o seu carro na fila de entrada de um dos shoppings centers da cidade e ter que esperar a revista minuciosa de cada um dos carros à sua frente. Revisão de porta-malas e cães farejadores treinados para achar explosivos. O ritual é repetido em alguns hotéis e edifícios. Sempre há o risco de um carro-bomba.

A Colômbia ainda não sabe o que é paz. Ou pelo menos há seis décadas não vive em paz.

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Além das Farc, há o Exército de Libertação Nacional (ELN), que tem sido dos mais ativos nos últimos tempos, e as gangues de traficantes. Carros-bomba não são uma realidade distante. Por isso, tanto medo nas ruas.

Mas a Colômbia anda aquecida por outro tema. As autoridades locais prenderam cidadãos russos que ingressaram ilegalmente mais de US$ 145 milhões no país. Os procuradores investigam o caso como lavagem de dinheiro clássica, mas os indícios apontam para uma operação de financiamento em escala estatal de agitadores e movimentos relacionados com protestos de rua e com a ação no campo cibernético.

Parte dos recursos era depositada em cartões de débito pré-pagos, comprados em qualquer supermercado ou farmácia, que eram distribuídos para os líderes dos protestos organizarem as mobilizações. O grosso dos recursos, segundo as primeiras evidências já em investigação pelos procuradores, sugerem que os fundos estão sendo empregados para campanhas massivas de desinformação.

A Colômbia escolherá seu novo presidente no final de maio. A descoberta das operações financeiras clandestinas russas em consórcio com agitadores locais (sejam eles offline ou online) é um alerta sobre os esforços de Vladimir Putin em desacreditar a democracia.

Como se não bastasse a já manjada mania de interferir em eleições para gerar desconfiança, os russos estão trabalhando para escalar a crise e possivelmente provocar um conflito na região. Exagero? Talvez não.

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A estatal russa de propaganda Sputnik Brasil postou recentemente um texto dizendo que a Colômbia é uma espécie de Ucrânia da América Latina. Para isso, eles usaram o ministro da Defesa da Venezuela, Vladimir Padrino López, para dizer que a Colômbia é um “fantoche da OTAN e dos Estados Unidos” na região. Segundo Padrino e os russos, a aliança militar e os americanos usam a Colômbia como plataforma para possivelmente atacar a Venezuela.

A história parece familiar?

A OTAN e os Estados Unidos usam a Colômbia para ameaçar a segurança e a soberania da Venezuela. Troque Colômbia por Ucrânia e Venezuela por Rússia.

As semelhanças não param por aqui. Os venezuelanos não se vendem como as vítimas locais da OTAN. Há tempos eles têm causado instabilidade na fronteira. Em 2019, Nicolás Maduro instalou sistemas antiaéreos na fronteira e enviou lançadores de foguetes que ficaram apontados para a Colômbia.

Chefe de um regime movido pela economia do ilícito e que tem as suas forças armadas ativamente engajadas em atividades de narcotráfico, Maduro se diz vítima do “narcoestado” colombiano. E seus porta-vozes falam em “descocainizar” a Colômbia. Como não dava para copiar a lorota da desnazificação de Putin, os chavistas inventaram uma referência ao narcotráfico – algo com potencial de conquistar a simpatia dentro e fora do seu regime narcoestatal.

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As condições para uma ucranização da Colômbia não são bem claras, tampouco completas. Mas Putin e Maduro estão trabalhando duro para desestabilizar a região. E os impactos não se restringem apenas à Colômbia. O Brasil inevitavelmente se veria afetado. Na melhor das hipóteses, com uma nova crise de refugiados. Mas como o amor é cego, o governo brasileiro e principalmente o Itamaraty possivelmente não estão vendo nada. E se estão, talvez pensem que as estripulias russas na região são para salvar o Ocidente.