A posse do novo presidente dos Estados Unidos está marcada para esta semana. Nesta quarta-feira, Joe Biden – que passou a primeira metade do ano escondido no porão de sua casa – assumirá como o 46º presidente da mais longeva democracia do planeta.
Biden chega à Casa Branca mais como um efeito colateral da pandemia de coronavírus que pelos méritos que tinha como candidato.
Em janeiro do ano passado, Trump estava com o segundo mandato garantido. A crise do coronavírus na China ainda parecia mais um fenômeno local, graças ao comportamento criminoso do Partido Comunista Chinês que escondeu e manipulou as informações sobre a eclosão da doença. Uma tragédia que injustamente é comparada ao que a então União Soviética tentou esconder em Chernobyl. O que o regime de Xi Jinping fez supera em todos os parâmetros aplicados.
Trump perdeu para o vírus, mas também para ele mesmo.
Vacilou por não ter considerado a inteligência sobre a China. Patinou na forma como se comunicou com os americanos e o mundo. Preferindo retrucar a pancadaria à qual foi submetido a mostrar o que fez de bom, como no caso dos incentivos às vacinas e a extraordinária preparação para que elas chegassem não só aos americanos, mas em quase todo mundo.
A derrota de Trump veio acompanhada de uma complexa e potencialmente perigosa crise institucional. Suas suspeitas de fraude têm fundamentos reais que são difíceis de serem aceitos por quem ou simplesmente não gosta do quase ex-presidente, ou por não aceitar que possa se passar nos Estados Unidos coisas bem típicas das repúblicas bananeiras.
Onde há eleição, há gente querendo roubar violando as regras do jogo, seja metendo as mãos nas urnas – com voto impresso ou eletrônico –, seja comprando votos ou manipulando eleitores. A questão é qual é o tamanho e o alcance da fraude.
Nos EUA, negar que houve fraude beira à esquizofrenia. O problema que Trump e seus apoiadores enfrentaram é o de identificar e demonstrar o tamanho do roubo.
Trump e seus eleitores revoltados não souberam a hora de parar, ou pelo menos a forma de seguir em frente. Foram derrotados não pelo roubo, mas por eles mesmos.
Está é a última semana de Trump na Casa Branca. Dono de mais de 74 milhões de votos, ele deixaria a presidência como uma força descomunal. Com a campanha semipronta para colocar os seus planos de disputar a presidência dos Estados Unidos em 2024.
Trump segue como um fenômeno. Líder de um movimento imenso, mas sai encolhido e sob ameaça de ter os seus planos barrados pela baderna no Capitólio.
O processo de impeachment que acaba de chegar no Senado não termina com o fim de seu mandato. Trump será julgado fora da presidência e se for condenado perderá seus direitos políticos. Será o líder de um movimento sem precedentes, com uma votação extraordinária, dono de um governo muito bem-sucedido, mas derrotado. Dupla ou triplamente derrotado.
Muita gente vê os eventos de Washington como uma prévia do Brasil em 2022. Questionamento das urnas, pancadaria e instituições em frangalhos. Não falta entre os grandes democratas brasileiros quem torça para isso. Um sentimento de “eu tinha razão”.
O uso de voto eletrônico no Brasil não tem comparação com o dos Estados Unidos. A maioria das pessoas não sabe, mas na América não existe TSE, tampouco uma eleição uniforme. O presidente é eleito com a soma do resultado de eleições estaduais (50 mais a da capital, o Distrito de Colúmbia). Cada uma com suas regras e modelos eleitorais. Correio, presencial, eletrônico, misto...
A cultura de meme que vai da tiazinha do zap não se difere muito de como parte da imprensa, parlamentares e membros da mais altas cortes do país tratam a questão da segurança do voto no Brasil.
Se eu pudesse dar um conselho ao presidente Jair Bolsonaro, eu diria: Pare já de falar em fraude nas eleições brasileiras. Se eu pudesse dar outro conselho aos ministros do STF eu diria: Parem já de pedir ao presidente Bolsonaro que apresentem provas de fraudes nas eleições brasileiras.
A questão é muito simples. Da forma que foi desenhado, o sistema brasileiro não oferece uma forma de fazer um cotejamento dos dados que saem do interior de uma urna. Cada vez que o auditor imprimir um extrato dos votos que foram contabilizados pela máquina, ele produzirá um espelho do primeiro. Infinitamente. Não importa quantas vezes for requisitado.
Quanto perdeu para Dilma Rousseff em 2014, o tucano Aécio Neves esperneou loucamente gritando fraude. Saiu duplamente derrotado.
Como insiste na teoria da fraude, Bolsonaro coloca em risco uma excelente iniciativa para fortalecer o sistema eleitoral brasileiro. A adoção de voto impresso combinado com o voto eletrônico.
Só não entende quem não quer. A adoção do extrato seria um instrumento complementar que daria a chance de verificação nos mais variados cenários. Seja por causa de uma simples pane ou até mesmo diante de um ataque hacker. Dúvidas seriam dirimidas sem o trauma americano e o modelo eleitoral brasileiro sairia fortalecido.
Erra quem comprara modelos incomparáveis. Quando um diz que sem voto impresso a confusão nos Estados Unidos se repetiria no Brasil, está equivocado. Mais ainda quem diz que a confusão dos Estados Unidos se deu somente por causa do voto impresso.
Os dois modelos e existem e convivem na América. O que aconteceu aqui é algo bem diferente. Voto remoto (pelo correio) e a mais absoluta permissividade de um modelo baseado na confiança onde a maioria dos eleitores não precisa sequer apresentar um comprovante de identidade para votar.
As vulnerabilidade dos Estados Unidos são outras.
A questão brasileira é a seguinte: temos um modelo cuja confiabilidade está totalmente entregue à tecnologia. As eleições municipais por exemplo, as urnas empregadas eram uns dinossauros produzidos entre 2009 e 2015. Os softwares são constantemente atualizados, mas não dá para exigir muito de máquinas com onze anos de idade.
Não vou cair na armadilha que estou denunciado. Não dá para falar em fraudes no Brasil.
Mas, também não dá para dizer que sistemas são invioláveis ou infalíveis. Eleição é coisa séria demais. Um double check deveria ser bem-vindo, mas tem assombrado muita gente.
Por fim, um último conselho geral: Esta é a última semana de Trump na Casa Branca. O novo presidente dos Estados Unidos agora se chama Joe Biden. Lutar contra o óbvio é fazer o mesmo papel daqueles que invadiram o Capitólio. O fortalecimento da segurança eleitoral no Brasil nem de longe tem que ser comparada com os episódios recentes nos Estados Unidos.
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