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O presidente russo, Vladimir Putin, na 22ª Cúpula dos Chefes de Estado da Organização de Cooperação de Xangai, em Samarcanda, Uzbequistão, na sexta-feira (16)
O presidente russo, Vladimir Putin, na 22ª Cúpula dos Chefes de Estado da Organização de Cooperação de Xangai, em Samarcanda, Uzbequistão, na sexta-feira (16)| Foto: EFE/EPA/SERGEI BOBYLEV/SPUTNIK

A lista de barbaridades decorrentes da invasão russa na Ucrânia parece estar longe do fim. A descoberta de um cemitério improvisado com centenas de civis ucranianos com sinais de execução é a mais recente e sombria das revelações da brutalidade da invasão, que Moscou chama de “operação especial” ou “desnazificação”, como muita gente, sem menor pudor, ainda insiste em repetir.

Nenhuma guerra é linda. Mas algumas podem ser mais horripilantes e sujas que outras. E o que Vladimir Putin iniciou na Ucrânia já se revelou ilegal e desumano ao ponto de colocar a invasão na fila de espera daquelas que serão consideradas repletas de crimes contra a humanidade.

A reação ucraniana, que tem permitido recuperar porções significativas de seu território, permitirá ao mundo se deparar com o horror produzido pelas tropas de Putin. Mais do que escombros de casas, escolas e hospitais. Não faltará quem diga quem é propaganda de guerra. Afinal, as batalhas não são travadas apenas com tiros e bombardeios.

As sepulturas descobertas em uma floresta de pinheiros nos arredores da cidade ucraniana de Izyum revelaram que entre as vítimas havia mulheres e crianças. Ao lado das covas individuais, havia uma vala comum dedicada aos militares ucranianos, que tiveram tratamento ainda mais indigno.

Até as guerras têm regras. Mas para a Rússia de Putin, as regras são um detalhe. A Rússia de Putin as viola na Ucrânia. A Rússia de Putin as violou na Síria. A Rússia de Putin as violou na Chechênia. Mas Putin nunca foi cobrado por isso.

Alguns dos eventos mais brutais da guerra civil travada na Síria tiveram a participação direta da Rússia. Para ajudar o seu aliado, o ditador Bashar al-Assad, Vladimir Putin empenhou as forças armadas russas para a realização de bombardeios que, além de arrasar cidades inteiras, deixaram um saldo de pelo menos 200 mortes de civis em apenas três cidades das várias que foram atacadas pelas tropas de Putin.

A guerra civil na Síria, que segue ativa e completou onze anos, tem o saldo de mais de 306 mil mortes de civis – cerca de 10% são crianças. Há diversos relatórios independentes que descrevem as atrocidades de Assad sob a proteção e com o patrocínio de Putin. Mas talvez nada seja mais sufocantemente didático que o documentário The Cave, que conta a história de médicos em um hospital subterrâneo em meio aos escombros dos bombardeios russos na Síria.

O documentário termina com a evacuação do hospital, que depois viria a ser alvo de uma campanha de desinformação russa. Como ficou mal para Putin a destruição do hospital, ele empacotou uma versão de que se tratava de um covil do grupo terrorista Estado Islâmico. Uma espécie de enfermaria de terroristas, para justificar a sua destruição. Putin e seu regime são, por sinal, uma máquina de construção de versões e mentiras com o objetivo de desinformar e gerar confusão. O documentário, que chegou a ser finalista do Oscar, quebrou as pernas de mentira do Kremlin, mas nem por isso alguém cobrou a conta de Putin.

Aliás, se os crimes de Putin tivessem sido cobrados e punidos na guerra da Síria, talvez a Ucrânia sequer tivesse sido invadida. A tolerância para com criminosos de guerra alimenta novos crimes de guerra.

Putin se sente tão à vontade em relação aos seus crimes que escalou o general Alexander Zhuravlyov, o mesmo líder militar que autografa alguns dos capítulos brutais da guerra na Síria, para repetir a receita de horror no teatro ucraniano.

Se Putin tivesse pagado pelo que fez contra os chechenos, talvez a própria história da guerra civil na Síria seria a mesma.

O último carniceiro europeu a ser preso, julgado e condenado foi o ex-presidente da Sérvia Slobodan Milošević, que promoveu o que o Tribunal Penal Internacional entendeu se tratar de genocídio, crimes de guerra e contra a humanidade. Sob suas ordens, as tropas e milícias sérvias promoveram um ataque direcionado à população de origem albanesa que vivia no Kosovo. A política de extermínio de Milošević provocou a morte de aproximadamente 13 mil pessoas, sendo 11 mil albaneses.

Milošević só pôde ser acusado, preso e condenado depois de apeado do poder. Putin segue firme em seu regime, apesar dos rumores de golpe, tentativas de assassinato e o flagrante descontentamento da elite local que sofre, no bolso, o custo da guerra armada por Putin.

Só o futuro permitirá saber o destino do líder russo. Mas é impossível pensar que a história não lhe tratará com destaque dentro do capítulo que reúne líderes que carregam em seu legado a infâmia dos crimes de guerra e genocídio.

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