Rebeldes rasgam retrato do ditador da Síria, Bashar al-Assad, em Aleppo.| Foto: Karam al-Masri/EFE/EPA
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O regime do ditador Bashar al-Assad caiu rápido demais. Na semana passada, esta coluna previa que os principais aliados da Síria, no caso Rússia e Irã, talvez estivessem dispostos a “sangrar o aliado” para ao fim resgatá-lo depois que objetivos militares e geopolíticos de gerar instabilidade fossem alcançados. Seria um preço alto, mas justo, considerando os danos que uma reinflamação da guerra civil causaria no Oriente Médio, mas sobretudo na Europa.

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Mas Assad caiu. Caiu rápido demais e sem resistência alguma.

Ficou claro que Rússia e Irã sacrificaram a Síria de forma incontornável. Mas qual seria a razão de os dois países jogarem no lixo anos de investimentos políticos e bilhões de dólares, despejados em ações militares para proteger Assad? E ainda transformar a Síria em uma valiosa peça do tabuleiro dos interesses dos russos e iranianos?

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A mudança rápida de cenário tem levado a avaliações precipitadas e a equívocos, como o que ocorreu neste espaço na semana passada. Para entender o que se passou na Síria, não se pode ignorar o papel de Israel que, além de varrer do mapa os líderes do Hamas e Hezbollah, reduziu as forças das organizações de maneira substancial.

O desfalecimento do grupo terrorista libanês, um dos pilares do suporte a Assad, é sim uma das razões da debilidade do regime, mas não explica tudo. Também não faz muito sentido pensar que a Rússia está tão ocupada com a Ucrânia que não tinha como ajudar.

Além da guerra de agressão que move desde fevereiro de 2022, Putin tem mantido presença militar direta ou por meio de mercenários no exterior. Seus homens estão envolvidos em ações no Norte da África e na Venezuela. Ainda que Putin tivesse decidido não enviar pessoal, poderia ter dado apoio aéreo. Mas nada disso aconteceu.

O Irã jura que não fez nada porque Assad não pediu. Como na cabeça dos aiatolás mentir para infiel não é pecado, eles contam essa lorota para ver se cola. O Irã é o principal provedor de drones suicidas para Moscou. Também enviou drones para a distante Venezuela. Qual teria sido o motivo então de não fazer nada por Assad?

O mais insólito de tudo foi a passividade de Assad. O sujeito que para se manter no poder tem no currículo torturas, assassinato massivo de minorias, uma guerra civil de treze anos e até o uso de armas químicas, resolveu deixar o poder como quem se cansa do trabalho, junta as tralhas, pega mulher os filhos e vai curtir a aposentadoria com muito conforto no exterior.

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Nada disso faz sentido se não considerarmos a possibilidade que o tal “Eixo da Resistência” – do qual fazem parte a Rússia, o Irã, o Hezbollah, os Huothis do Iêmen e o extinto regime de Assad – tenha decidido implodir a Síria para transformá-la em um problema regional como efeitos globais.

A Síria caiu não de um pessoal que lutou sob a bandeira do Estado Islâmico. Depois disso montou uma franquia tão radical quanto o grupo original e que, nem de longe, representa todos os grupos que estão há anos se matando naquele país.

O pessimismo sugere que a Síria foi propositalmente entregue para não só voltar a pancadaria interna, mas para que ela se transforme em um foco de exportação de crise

Seja por meio da imigração descontrolada, pela exportação do jihadismo e pela propaganda de que é possível tomar o poder e “libertar o Levante”, como sugere o nome do grupo terrorista (tratado como rebelde) que tomou o poder.

“Libertar o levante” deve ser entendido como marchar sobre o Líbano, Jordânia e, por fim, Israel e Gaza. Se os libertadores da Síria se levarem a sério em sua missão organizacional, eles terão como meta expandir esse projeto. Ganha o “Eixo da Resistência” ao criar um novo problema para Israel. Ganha Moscou com os efeitos colaterais na Europa.

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Os novos donos da Síria têm prometido moderação. Tentam angariar apoio mostrando que eles vieram em substituição a um regime cruel que barbarizou o próprio povo. As imagens e relatos que chegam são de uma “ocupação civilizada”, sem a brutalidade típica de eventos como os que ocorreram nos anos mais duros da guerra civil ou em outros países, como a Líbia pós-Gaddafi.

Por causa disso, muita gente aposta em uma transição para algo melhor. Mas não há muitas chances de que isso aconteça, que a guerra termine ou que os sírios possam voltar a viver em paz.