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Leonardo Coutinho

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Brasil, América Latina, mundo (não necessariamente nesta ordem)

El Salvador

Como vender um país

O presidente de El Salvador, Nayib Bukele (Foto: Reprodução / Twitter / Nayib Bukele)

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O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, destituiu os membros da Suprema Corte de seu país sob a justificativa de que precisava de uma faxina profunda na corte constitucional do país. Pura conversa fiada. Seu gabinete é orbitado por corruptos e membros dos governos anteriores, entre eles nomes estrelados da famigerada Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional – movimento armado dos anos de 1980. Há inclusive elementos que indicam que sua eleição foi irrigada com dinheiro proveniente da Venezuela de Nicolás Maduro.

Nesta semana, Bukele ganhou uma ajuda enorme para o que seria a sua luta para sanear El Salvador. Os Estados Unidos prepararam uma investigação profunda indicando uma lista de funcionários corruptos em atuação no país centro-americano. Mas não só de El Salvador de Bukele, mas também da Guatemala e Honduras. Um trio do barulho que é fonte de alguns dos problemas internos que os Estados Unidos enfrentam – imigração ilegal, tráfico de drogas e violência.

O documento era para ser sigiloso. Era. Alguém do Partido Democrata preferiu vazar para a imprensa. Bukele, que já havia feito beicinho depois das críticas pela intervenção na Justiça, reagiu de forma típica, mas com um ingrediente exótico. Acusou os EUA de ingerência, como sempre. Mas lançou um elemento novo. Disse que a lista gringa não tinha nada a ver com combate à corrupção. Era pura "geopolítica". E como resposta, ele valeu-se da geopolítica.

Usou o tema como pretexto para usar a sua maioria no Congresso para aprovar a obtenção de "500 milhões de dólares em investimento público não reembolsável e sem condições", como ele mesmo definiu. O "sem condições", destacado por Bukele, tem um significado enorme. A administração Biden tem preparado um pacote bilionário para a região. Dinheiro que encheria os cofres dos países centro-americanos com a contrapartida de combate à corrupção e ao tráfico de drogas que são os ingredientes centrais da violência e pobreza que expulsam milhares de pessoas rumo aos Estados Unidos.

O recado geopolítico de Bukele aos Estados Unidos serve para encobrir a sua mais absoluta falta de vontade em efetivamente mudar algo que os seus antecessores faziam. E a ausência de "condições" para o derramamento de dinheiro chinês em meio à pandemia não é bem assim. Bukele faz vista grossa a uma das coisas mais bizarras, até para os padrões bananeiros, registradas na região.

Seu antecessor, Salvador Sánchez Cerén, entregou 14% do território e 50% do litoral para exploração especial. Leia-se: entregues à China. Bukele, o geopolítico, parece não ter visto problema algum. E a explicação talvez venha da própria China.

Pequim segue a máxima de "não interferir" em assuntos internos dos outros. Uma máxima que vale quando o caos é favorável aos interesses chineses onde quer que eles sejam. É assim na Venezuela, por exemplo, onde o PCC é um dos padrinhos e pilares de sustentação de Nicolás Maduro. Mas "não é interferência", que fique claro.

No Brasil, por exemplo, a imprensa e os congressistas pró-Pequim repetem todos os dias que o atraso da vacinação no Brasil é devido a uma retaliação da China às estripulias da chamada ala ideológica do governo. A mesma imprensa e parlamentares também informam que a China pediu e ganhou a cabeça do Ministro das Relações Exteriores e segue trabalhando para demitir assessores presidenciais. Mas Pequim não interfere em política interna, como não se cansam de dizer os seus diplomatas, seja no Brasil ou em El Salvador.

Quando o deputado Eduardo Bolsonaro postou no Twitter um comentário tratando a intervenção de Bukele na Justiça salvadorenha, muita gente criticou o fato de o parlamentar ter ido buscar o exemplo em El Salvador. O deputado errou em achar – sem considerar quem é Bukele – que as medidas tomadas pelo presidente refletem a saúde democrática de seu país. Mas quem bateu no parlamentar por achar que não há paralelo algum entre El Salvador e o Brasil precisa olhar melhor não para os presidentes dos dois países, para seu entorno ou até mesmo para o espelho.

El Salvador é berço de uma gangue de presídio que se alastrou para o país inteiro e hoje é uma das organizações de crime transnacional mais sangrentas e perigosas do hemisfério. A MS-13 transforma a vida do povo pobre em um inferno e controla desde o tráfico de drogas, assaltos e as rotas de imigrantes rumo aos Estados Unidos. País, por sinal, onde está instalada e cuida da distribuição de cocaína. Eles são o nosso Primeiro Comando da Capital, que à exceção de intermediar envio de imigrantes para os Estados Unidos, comete as mesmas barbaridades.

As semelhanças não terminam aqui. Como disse Bukele, é geopolítica. O Brasil está em liquidação. As elites brasileiras estão na bacia das almas. E não se trata de corrupção, dinheiro ou qualquer outro interesse subalterno. Aliás, pode ser que exista isso. Mas não é lícito sequer imaginar. O Brasil está economicamente e politicamente vulnerável. A China está comprando e barato. Vem aí a lei de venda de terras para estrangeiros, de autoria do senador Irajá Abreu (PSD/TO), filho da também senadora Kátia Abreu (PP). O projeto prevê a venda de até 25% de cada um dos 5.568 municípios brasileiros. O debate como sempre passa pelo discurso primário que temos que agradar, ou até nos deixar pisotear, pelo principal parceiro comercial e provedor de vacinas.

Convenhamos, El Salvador não é lá um bom exemplo. Mas o Brasil parece estar seguindo o mesmo caminho. E não tem absolutamente nada a ver com a tal faxina de Bukele.

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