“O Brasil não tem posição no caso da Ucrânia.” A frase que abre esta coluna foi dita por um presidente brasileiro. Merece um prato de varenyky de queijo cottage e mirtilos – uma das maravilhas da cozinha ucraniana – quem acertar qual deles. Se você, induzido pelos eventos recentes, cravou Jair Bolsonaro, lamento informar. Você errou. Quem disse que “o Brasil não tem posição no caso da Ucrânia”, em 2014, foi a então presidente Dilma Rousseff. Mas, por questão de justiça, você segue merecendo o prêmio. Afinal, quando o assunto são as invasões russas na Ucrânia, Rousseff e Bolsonaro são idênticos.
O PT de Dilma nutre um affair de longa data com Putin e a Rússia. Para eles, embora a União Soviética tenha se desmanchado no ar em 1991, segue sendo o berço de uma utopia. Uma espécie de polo (eternamente ativo) contra o capitalismo ocidental, que o PT busca eternamente como herança de algo que vem impresso em seu DNA.
Recentemente, o bolsonarismo passou a se derreter de amores por Putin. A atração se deve ao fato de o autocrata russo ter se transformado em uma espécie de defensor máximo da moral e dos bons costumes, que combate a ideologia de gênero, o globalismo, o climatismo e não se dobra à agenda idiotizada de movimentos sociais que ocupa o topo das prioridades dos governos ocidentais. Há quem entenda que nas ruas de Moscou há mais liberdade que em Viena, Zurique ou Estocolmo. Um julgamento baseado apenas na repulsa às exigências sanitárias durante a pandemia de Covid-19.
O “conservador” Putin soube aproveitar cada uma das insatisfações nos países ocidentais para apresentar-se como resposta e exemplo, por meio da sua eficientíssima máquina de propaganda. Quem considera Putin como modelo de conservadorismo não está muito longe de aceitar na mesma categoria de lanternas morais o ditador Xi Jinping, da China, e o aiatolá Ali Khamenei, do Irã. Xi instituiu programas para fomentar a masculinidade nos estudantes que estavam efeminados demais para o gosto do regime. Khamenei é tão eficiente que oficialmente não existem gays no Irã. Aqueles que dão a menor bandeira encontram a redenção em enforcamentos em praça pública.
Como se vê, por caminhos diferentes, esquerda e direita no Brasil se encontram em Moscou.
A história de amor mais longeva, obviamente, pertence aos petistas. Em 2003, no seu primeiro ano de governo, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um contrato com a Ucrânia para o estabelecimento de uma empresa binacional para construção de foguetes e o lançamento de satélites em Alcântara, no Maranhão. A parceria havia sido costurada por Putin, como uma alternativa para os petistas que passaram o governo anterior inteiro minando os planos de Fernando Henrique Cardoso de montar um sítio de lançamento idêntico, mas em sociedade com os americanos. Petistas e assemelhados viam sérios riscos para a soberania nacional.
Lula mostrou que, com a intermediação de Putin, a parceria com os ucranianos colocaria o Brasil no bilionário mercado de satélites sem a dependência dos Estados Unidos. A realidade: as obras atrasaram e o que estava previsto para estar pronto em três anos não passava de obras de engenharia civil uma década depois da assinatura do contrato. E como se não fosse suficiente, em 2013, os ucranianos se rebelaram contra a influência russa. Colocaram o presidente Viktor Yanukovych, um boneco de ventríloquo de Putin, para correr e passaram a mirar uma conexão mais forte com o Ocidente, aspirando à entrada na União Europeia.
Coincidência ou não, o Brasil esfriou a relação com os ucranianos. Deixaram o projeto morrer de inanição e os mais de R$ 2,6 bilhões que os dois países investiram, até aquele momento, foram para o lixo.
Putin não aceitou que os ucranianos voltassem os seus olhos para o Ocidente e em 2014 invadiu a Crimeia, alegando estar defendendo uma região de identidade russa que estava em risco. As democracias ocidentais condenaram o avanço de Putin sobre o vizinho, mas Dilma Rousseff (vale recordar) disse: “O Brasil não tem posição no caso da Ucrânia”.
Naquele mesmo ano, os separatistas armados por Putin abateram um Boeing 777, da Malaysia Airlines, matando 288 pessoas. Questionada, Dilma Rousseff disparou: “O governo brasileiro não se posicionará quanto a isso até que fique mais claro por uma questão não só de seriedade, mas também de prudência”.
A “seriedade” e “prudência” de Dilma se explicam por uma outra declaração da presidente: “Tem um segmento da imprensa dizendo que... este avião que foi derrubado estava na rota da volta do avião do presidente (russo, Vladimir) Putin. Coincidia com o horário e com o percurso. Então, que o míssil seria dirigido ao avião do presidente Putin”.
Depois disso, a parceria espacial do Brasil com a Ucrânia melou de vez. Dilma deixou missivas do então presidente ucraniano Petro Poroshenko sem resposta e mandou cortar a verba do programa, que viria a morrer de inanição.
Lula, Dilma e o PT sempre lidaram com a Ucrânia como se o país fosse um puxadinho da Rússia. Seja quando da ocupação da Crimeia em 2014, seja agora com a invasão total.
Não faz muito tempo, o bolsonarismo sonhava em “ucranizar” o Brasil. O termo maldosamente associado ao neonazismo ou fascismo nada mais era que uma referência ao processo de descomunização que levou a Ucrânia a proibir a apologia ao comunismo, que passou, por lei, a ser equiparado ao nazismo. Mais de mil monumentos em homenagem a líderes soviéticos foram destruídos e mais de 50 mil ruas e praças receberam novos nomes em substituição aos que eram dados em homenagem a Stalin, Lênin e outros monstrengos soviéticos.
Mas a ucranização do Brasil parece ter ocorrido de outra forma. Desde Lula, passando por Dilma e chegando a Bolsonaro, o Brasil se deixa ucranizar funcionando como um satélite dos interesses de Moscou.
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