A deputada republicana Marjorie Taylor Greene, do estado americano da Geórgia, propôs um “divórcio nacional”. Em outras palavras, o desmantelamento dos Estados Unidos que, segundo ela, deveriam se dividir em “estados vermelhos” (em referência à cor de seu partido, o Republicano) e “estados azuis” (a cor do Partido Democrata). Para a congressista, o país está perdido, dividido e chegou a um ponto impossível de se reconciliar.
A ideia da congressista ganhou tração dentro da ala psiquiátrica do Partido Republicano e eco na Fox News, a emissora que fala com fatia importante da sociedade americana – que, entre muitos acertos, diversos erros e perigosos delírios, mantém uma posição voltada à proteção de valores conservadores, à economia de mercado e, curiosamente, à proteção dos Estados Unidos e de tudo o que o país representa.
Mas como quem pensa que está defendendo o país pode sugerir dividi-lo? A resposta não é simples, mas passa obrigatoriamente por radicalismo, ignorância, manipulação e possivelmente por boa dose de má-fé.
Marjorie Taylor Greene brotou e cresceu na política americana sob o mesmo ambiente de onde veio a “teoria da conspiração” QAnon, que nada mais é que uma grande operação de inteligência estrangeira que soube plantar e adubar ideias malucas na cabeça de gente radicalizada, ressentida e muito mal tratada pela elite progressista americana, que os vê como “deploráveis” caipiras, fascistas, atrasados, rudimentares e, até mesmo, abjetos.
A congressista diz que essas diferenças são irremediáveis e que o país vive uma relação irreconciliável. Greene parece ver na sociedade americana uma repetição de sua história pessoal. No final do ano passado, ela se separou do marido; na petição de divórcio, eles alegaram que a relação estava “irremediavelmente quebrada”. Obviamente, essa é uma extrapolação do que vem a passar pela cabeça da deputada, dadas as semelhanças no argumento. O que importa, entretanto, é que os Estados Unidos não podem ser comparados com o fim de um casamento.
Pedir para quem, em pleno 2023, apoia a secessão dos Estados Unidos que recorra aos livros de história pode ser inútil. Mas há algo mais simples. Se a congressista Greene e seus colegas que se animaram com a ideia de pregar um “divórcio nacional” se sentarem em uma manhã qualquer nas escadarias da face Oeste do Capitólio, poderão ver o Monumento a Washington. O grande obelisco com 169 metros de altura é mais que um memorial ao primeiro presidente dos Estados Unidos e um dos Founding Fathers of the United States (Pais Fundadores dos Estados Unidos).
Quem realmente presta atenção ao monumento pode observar que ele não tem uma cor uniforme. Por sinal, ele tem uma troca brusca de cores. Quando o obelisco havia atingido 46 metros de altura, o dinheiro acabou e as obras foram paralisadas. Depois disso, em 1861, veio a Guerra Civil, que se estendeu por quatro anos.
A obra inacabada ficou por anos abandonada. Sem fundos, em um país em construção depois da grande fratura que foi a Guerra Civil. As obras foram retomadas, com o mesmo tipo de mármore e a técnica original, mas, mesmo assim, a obra denuncia o lapso que separa os Estados Unidos de antes da secessão dos Estados Unidos depois dela.
Um dos símbolos da capital dos Estados Unidos tem uma “cicatriz” de um outro momento de “divórcio nacional”. Um recado de que rupturas deixam marcas. Dividir um país para salvá-lo é fazer o jogo de quem quer vê-lo destruído.
Não foi Marjorie Taylor Greene que dividiu a América. Nem muito menos Donald Trump ou seus seguidores radicais. Eles são parte do processo. São mais resultado do que causa. Os Estados Unidos e o Ocidente estão sob constante ataque. As cisões são as mais eficientes delas. Sociedades divididas pelo antagonismo político são mais vulneráveis.
O QAnon, que fez a cabeça de tanta gente, inclusive a da congressista Greene, só pode existir e prosperar em ambientes radicalizados e de certa forma enfermos (sob o aspecto social e psicológico). A tal nova secessão, obviamente, vai ficar no campo da radicalização, da qual a deputada Greene é o sintoma mais visível. O perigoso, entretanto, é que ela não está só. Sementes, quando plantadas, adubadas e irrigadas, brotam e crescem. Não falta quem trabalhará dia e noite para que isso aconteça.