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Leonardo Coutinho

Leonardo Coutinho

Brasil, América Latina, mundo (não necessariamente nesta ordem)

Geopolítica

É assim que Putin mexe com sua cabeça e coração

(Foto: kishjar?/Flickr)

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O chavista Yván Gil Pinto, que é ministro das Relações Exteriores do regime de Nicolás Maduro, subiu no pódio da plenária da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas e desfiou o clássico rosário bolivariano. Queixou-se do embargo a Cuba, disse que a Venezuela é vítima de uma guerra econômica, pediu a refundação da ONU com um conselho de segurança plural, repetindo a cantilena do presidente Lula.

A declaração mais relevante, entretanto, foi: “Condenamos a intenção do governo americano de militarizar Essequibo. O Comando Sul está tentando criar uma base militar no território disputado, com o objetivo de criar uma ponta de lança de sua agressão contra a Venezuela e confiscar nossos recursos energéticos”.

Gil emendou dizendo que os Estados Unidos levarão a região a um conflito armado pelo controle de recursos naturais e o centro da disputa é uma faixa de terra de 159.500 quilômetros quadrados (um pouco maior que a área do Estado do Ceará) que representa nada menos que 74% do território da Guiana.

A demanda por Essequibo é uma das poucas coisas na Venezuela que unem chavistas e opositores. Os venezuelanos consideram o território como seu; e, neste momento em que a Guiana inicia a extração de petróleo em larga escala, os venezuelanos se sentem duplamente roubados pelos vizinhos.

Habilmente, o regime de Maduro meteu uma “base militar dos Estados Unidos” na história para inflamar ainda mais a questão. Afinal, a memória do intervencionismo americano na América Latina é um nutriente poderoso para fazer fertilizar toda ordem de ideias conspiratórias.

Se fosse um evento isolado, a alegação chavista passaria em branco. Mas a máquina de propaganda russa entrou em operação. As estatais russas RT e Sputnik trataram de espalhar a história. Além de versões em espanhol e inglês, a propaganda chegou ao Brasil pelo site em português que os russos usam para disseminar suas mensagens.

Putin sabe operar com destreza e tirar proveito das fissuras existentes nos terrenos em que opera. Na América Latina a combinação do sentimento antiamericano (que é endêmico) com as estupidezes da política externa americana (que são abundantes) produzem o resultado ideal para Moscou.

O ex-deputado e ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo foi para o X (antigo Twitter) e escreveu: “É isso: EUA pretendem criar uma base militar para garantir a exploração do petróleo da Guiana por suas empresas, mas diz que a exploração do petróleo pelo Brasil na Amazônia ameaça o planeta. Tem no governo brasileiro quem acha que os EUA têm razão”, comentando um link da russa Sputnik postado por ele.

Em uma postagem seguinte, Rebelo acrescentou: “E se os EUA instalam uma base na Guiana, quem vai impedir a Venezuela de instalar uma base russa ou chinesa em seu território, abrindo uma corrida armamentista terceirizada na América do Sul? E o Brasil se achará cercado, em pouco tempo, por bases de potências estrangeiras.

Juntas, as duas postagens não foram além de 60.000 visualizações na rede, mas serviram para pautar sites petistas, angariar apoio entre parlamentares e influencers bolsonaristas e atiçar um pessoal, cujo nacionalismo só não é maior que o antiamericanismo imanente. Rebelo, aliás, é quem melhor representa esse grupo e, por isso, o lidera.

Putin e sua máquina de desinformação sabem operar com destreza e tirar proveito das fissuras existentes nos terrenos em que opera. Na América Latina a combinação do sentimento antiamericano (que é endêmico) com as estupidezes da política externa americana (que são abundantes) produzem o resultado ideal para Moscou fazer rodar macio as suas engrenagens de desinformação angariando ou para si, ou para seus aliados apoio adesões provenientes de um amplo espectro ideológico. Algo que vem se tornando cada vez mais fácil graças ao comportamento displicente e agenda colegial que tomaram conta dos americanos que colocam à frente dos interesses do país e da estabilidade da região, pautas partidárias.

Putin armou os venezuelanos até os dentes. Vendeu caças Sukhoi, uma série de helicópteros de combate, tanques, lança-foguetes, sistemas de defesa antiaérea, milhares de fuzis de assalto e montou fábricas de munições. Em três ocasiões – em 2008, 2013 e em 2018 – os russos pousaram na Venezuela bombardeiros Tupolev 160 (Tu-160), que são conhecidos por transportar armas nucleares. Nunca ficou muito claro se esses aviões carregavam ou não mísseis com ogivas nucleares, mas fica a suspeita de que sim. O seria a primeira presença deste tipo de armamento na América Latina, desde a Crise dos Mísseis, em Cuba, em 1962.

Ao invés de ser criticado por uma “corrida armamentista terceirizada na América do Sul”, Putin foi sondado para ser provedor de armamentos para o Brasil. A então presidente Dilma Rousseff comprou helicópteros russos (que nunca serviram para nada e já viraram sucata) e tentou enfiar goela abaixo dos militares caças idênticos aos dos venezuelanos e sistemas de defesa antiaérea.

Os russos têm a vantagem competitiva de serem vistos (e com razão) como os rivais do malvadões dos americanos, que querem internacionalizar a Amazônia por meio de suas ONGs, além de roubar o petróleo da Guiana, o lítio do Brasil e da Bolívia, interferir em eleições no Brasil e implantar a agenda woke.

O negócio é tão maluco que há quem jure de pé juntos que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um “vassalo” do americano Joe Biden (algo que grassa nas redes sociais bolsonaristas), que está no BRICS atuando como um infiltrado para melar o bloco. Alucinação que nem um pré-overdose de LSD seria capaz de proporcionar.

Assim, Putin usa a política interna para amplificar os fossos sociais e avançar sua agenda. Isso vale para o Brasil, para os Estados Unidos, Canadá, Argentina e os países europeus onde Moscou, que já mora no coração e mentes da esquerda, tem conquistado a simpatia da direita que, por meio da validação de suas crenças, abraça a propaganda cujo método é essencialmente soviético, mas vem recoberto de inovações.

As trapalhadas, erros graves, ideias tortas e delírios dos Estados Unidos e do Ocidente em geral devem ser reconhecidos, criticados, combatidos e retificados. Mas achar que “porque os americanos fizeram blá... blá... blá...” é motivo para abraçar ou justificar a ação de ditador carniceiro é algo que para muitos pode ser sinal de ingenuidade, para alguns de alienação, para outros de oportunidade, para poucos de subordinação.

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