Fernando Villavicencio, candidato à presidência do Equador, foi executado à luz do dia, diante de seus apoiadores e cercado por policiais que faziam a sua proteção. Sua morte ocorreu na véspera do 214.o aniversário da independência de seu país e apenas 11 dias antes das eleições para presidente e membros do Congresso. A notícia se alastrou e, como consequência, fez o mundo se lembrar do Equador. O que está acontecendo no país sul-americano? Por que, assim, tão de repente, o país chegou a este ponto crítico de violência política?
A questão pode ser resumida em uma única palavra: narcotráfico.
Localizado entre Colômbia e Peru, os dois principais produtores de cocaína, o Equador foi por muito tempo uma rota de tráfico de drogas, com relativa tranquilidade, como foi o Brasil até a primeira metade da década de 1990, quando deixamos de ser apenas caminho para sermos também destino de toneladas de cocaína. O enriquecimento dos brasileiros, com o Plano Real, os colocou no mapa global dos consumidores de drogas. Os reais que jorravam para as mãos dos traficantes ajudaram o negócio a crescer e avançar sobre toda a região.
A realidade do Equador se difere, obviamente, em vários aspectos. Embora o país seja destino das drogas, o mercado local jamais teve o poder do brasileiro, que é o segundo consumidor global de cocaína. A explosão de violência e a corrosão da institucionalidade local podem ser atribuídas aos efeitos colaterais dos acordos de paz na Colômbia – que levaram dezenas de milhares de guerrilheiros a ficarem desempregados. Milhares de homens que, além de matar sem qualquer piedade, também carregam larga experiência com o tráfico de cocaína – a principal atividade econômica das Farc – ficaram desempregados e passaram a oferecer serviços dentro e fora da Colômbia.
O que está acontecendo no Equador? Por que, assim, tão de repente, o país chegou a este ponto crítico de violência política? A questão pode ser resumida em uma única palavra: narcotráfico
Os seis suspeitos do assassinato de Villavicencio, presos pela polícia equatoriana, são colombianos.
O Equador virou um mercado de trabalho promissor para esses criminosos. Antes de entregar as armas em 2017, o Equador tinha uma taxa de homicídios de 5,6 por 100 mil habitantes. No ano seguinte, a curva empinou e os números não pararam de subir. Em 2020 já havia chegado a 7,7 mortes por 100 mil. Em 2021, a taxa chegou a 14 mortes por 100 mil. No ano passado, o Equador registrou 25,6 homicídios por grupo de 100 mil habitantes – a sexta taxa mais alta das Américas, à frente do conturbado México.
Como se não bastasse a fartura de mão de obra criminosa, a região passou a sofrer o assédio direto dos cartéis mexicanos, que passaram a lutar in loco para o controle das rotas. Cenas de carnificina como as registradas nas lutas entre facções de presídios do Brasil também se tornaram comuns no Equador. As quadrilhas locais, cada qual alinhada com o seu cartel mexicano, lutam ferozmente pelo controle das rotas.
O presidente esquerdista Rafael Correa (2007-2017), que sempre fez vistas grossas para a presença das Farc dentro do Equador e nunca se mexeu para reprimir o avanço do tráfico de drogas, criou as condições perfeitas para que o crime organizado transnacional infestasse as instituições do país. A lista de máfias e países de origem vai do Brasil a Albânia, passa por México e Líbano, e termina em Estados que fazem do tráfico política, como Cuba e Venezuela.
Villavicencio, que foi assassinado nesta semana, recorrentemente denunciava a relação de generais equatorianos com o narcotráfico – algo como uma versão reduzida do poderoso Cartel de los Soles, da Venezuela chavista. Além dos narcogenerais, Villavicencio, que também foi jornalista e deputado, acusou juízes e ex-colegas de parlamento de fazerem parte da extensa rede de proteção que os traficantes têm dentro das instituições locais.
Dois dias antes de ser assassinado, ele havia prometido apresentar provas de tais vinculações. Foi executado antes que cumprisse a promessa.
Um vídeo de origem não verificável foi postado no Twitter (agora chamado X), com uma reivindicação de autoria do crime. A gangue Los Lobos teria cometido o crime como demonstração de força e vingança contra o candidato que os desafiava em público, com a promessa de riscá-los do mapa. Uma reivindicação que não fica de pé, segundo investigadores locais.
Villavicencio não foi apenas retirado da campanha. Ele foi calado. Ele prometia entregar muita gente envolvida com o crime transnacional e a corrupção. Foi morto para não atrapalhar os negócios que vão muito bem em muitos países, incluindo o Brasil
O atentado contra Villavicencio, dias antes das eleições, deve ser entendido como uma mensagem de terror, mas também de opção política. Em 2002 e em 2006, o brasileiro PCC fez a sua “declaração de voto” durante as eleições gerais daqueles anos. Em 2002, planejou atentados à bomba em São Paulo (queria explodir a Bolsa de Valores), às vésperas do segundo turno das eleições. Em 2006, o PCC tocou o terror em São Paulo, na maior onda de ataques coordenados da história do país, paralisando a maior cidade brasileira. Em ambos os casos, as investigações comprovaram que o PCC atuou para influenciar nas eleições. Embora as agências de checagem não concordem, o PCC faz, sim, declaração de voto.
Com chances de chegar ao segundo turno, Villavicencio não era apenas uma ameaça dentro das regras puramente eleitorais. Ele ameaçava a tentativa de retomada de poder por parte dos bolivarianos liderados pelo ex-presidente Rafael Correa, que é foragido da Justiça equatoriana e opera sob influência de Havana, Caracas, Pequim e Moscou. A disputa é liderada, segundo as pesquisas de intenção de votos, por Luisa González, pilotada por Correa, que também se escora na lorota da tese do lawfare para se vender como vítima de uma Justiça partidária. Lula fez escola.
Villavicencio não foi apenas retirado da campanha. Ele foi calado. Ele prometia entregar muita gente envolvida com o crime transnacional e a corrupção. Foi morto para não atrapalhar os negócios que vão muito bem no Equador, no México, na Colômbia, na Venezuela, no Peru, na Bolívia, no Brasil...