O boliviano Evo Morales está por trás da instabilidade no Sul do Peru. Desde que os protestos insuflados por ele tiveram início, já morreram 50 pessoas. Morales, que comanda um exército irregular formado por cocaleiros, sindicalistas e mineiros, montou uma estrutura complexa e híbrida que abriga elementos mais raivosos dos movimentos sociais e étnicos do país e que possui vínculos estreitíssimos com o narcotráfico.
À primeira vista, parece que Morales escalou seu pessoal para “libertar” seu companheiro Pedro Castillo, preso desde dezembro depois de uma tentativa de autogolpe. Mas o plano do líder cocaleiro que presidiu a Bolívia de 2006 a 2019 parece ser mais complexo. Por mais exagerado que possa parecer, Morales quer um pedaço do Peru. Ele quer obter na marra, e com o argumento da unidade ancestral da etnia aimará, uma fatia do território dos vizinhos para ter acesso ao mar. Evo Morales tem compulsão por uma saída marítima. Mas não só.
Evo Morales parece trabalhar para o desmantelamento do Peru. Ele tem planos de redesenhar o mapa da América Latina segundo conceitos dos “povos originários”. E esse sonho pode incluir porções do Chile e da Argentina. Ideia de maluco, mas que ele Morales está colocando em curso.
Colocar seus comandados em campo para incendiar o Peru é apenas uma repetição de sua tática habitual de semear o caos para avançar. Em 2003, Evo Morales liderou uma série de protestos que deixaram como saldo 58 mortos e mais de 400 feridos. A violência teria sido ainda maior se o então presidente Gonzalo Sánchez de Lozada não tivesse renunciado e fugido do país. Goni, como é conhecido, foi o mais liberal dos presidentes bolivianos. Ele havia sido eleito um ano antes dos conflitos que levaram à sua queda com a promessa de modernizar a economia e combater o tráfico.
Visto pela esquerda local como o “Fernando Henrique Cardoso” boliviano, Goni governou sob constante instabilidade social, promovida pelo que poderia ser chamado de versão andina no “Fora FHC”, que no Brasil era liderado pelo PT, MST e demais movimentos de esquerda. Mas na Bolívia, o golpismo liderado por Evo Morales trazia a marca que o acompanhou até hoje e se vê nos protestos no Peru. A violência desmedida como forma de desestabilização.
Os protestos de 2003 abriram o caminho para Morales, com a ajuda de Hugo Chávez e a simpatia de Lula, eleger-se presidente em 2005. Mesmo no governo, Evo Morales não abriu mão do caos. Sempre alimentou toda ordem de pancadaria para fomentar a divisão do país e construir o pavimento necessário para esmagar seus opositores.
Em 2008, sob o argumento de combater a elite racista do Departamento de Santa Cruz e o separatismo que os unia às lideranças políticas e empresariais dos Departamentos de Beni e de Pando, Morales enviou tropas e alimentou uma espécie de “guerra civil relâmpago”, que resultou em mortes e centenas de prisões. No ano seguinte, ele simulou a existência de uma célula terrorista com planos de matá-lo e, com isso, varreu a oposição. Matou os supostos terroristas, forçou dezenas a partirem para o exílio e despachou outros para cadeia. Alguns deles morreram no cárcere e outros só se livraram das acusações mais de dez anos depois, quando a Justiça do país reconheceu a farsa processual.
Em 2019, Evo Morales foi pilhado fraudando a eleição que lhe daria um quarto mandato. Chegou a reconhecer os problemas no peito e prometeu nova eleição. Com a reputação esfacelada dentro e fora da Bolívia, Morales deu um novo golpe. Ou melhor, um autogolpe. Aproveitou o ambiente de convulsão social que ele mesmo provocou e sem que um soldado sequer o ameaçasse, ele renunciou ao mandato e fugiu para o México, alegando ter sido vítima de um golpe militar. Toda sua cadeia de sucessão — vice e presidente do Congresso — também renunciou. Cabendo assumir o país um grupo opositor despreparado e corrupto.
Entre o México e Argentina, para onde ia e vinha em sua campanha de reabilitação e destruição das chances de uma reconstrução democrática de seu país, Morales e seus apoiadores não tiveram muito trabalho para converter a história em um “golpe” e ganharam apoio e conquistaram a “legitimidade” que precisavam para voltar por meio do voto.
Depois de eleger o aliado Luis Arce Catacora, Morales passou a se dedicar à exportação de seu modelo de “governança” étnica e cocaleira. No peruano Pedro Castillo, Morales pensava ter o parceiro ideal para expandir por vias institucionais o seu plano de fundação de uma “internacional cocaleira”, unindo os interesses dos produtores de coca da Bolívia e Peru. Além disso, ele parecia partir para um avanço de seus planos de integração. O tal redesenho do mapa. Algo que não seria de agrado da maioria dos peruanos, mas que para Evo Morales era apenas um detalhe. Se a secessão do Peru gerasse conflito era um bônus que reforçaria o argumento da elite racista como os pobres índios oprimidos.
Nem tudo saiu como parecia combinado, mas Morales não perdeu o foco. Está tocando fogo no Peru e usando o argumento que ele sempre tira da cartola nesses momentos: “uma luta elite racista como os pobres índios oprimidos”. Sem falar que se trata de uma luta contra o fascismo e pela defesa da democracia. Luta que ele sugere exportar para os países da região. Se ele fizer isso mesmo, muito em breve seus cocaleiros infestarão o Brasil com outro tipo de droga, além da cocaína.
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
Quem são os indiciados pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado
Bolsonaro indiciado, a Operação Contragolpe e o debate da anistia; ouça o podcast
Seis problemas jurídicos da operação “Contragolpe”