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Leonardo Coutinho

Leonardo Coutinho

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Venezuela

Expatriados em sua própria pátria

Os assessores e aliados de Maria Corina Machado, asilados na embaixada da Argentina em Caracas: Pedro Urruchurtu, Omar Gonzalez, Claudia Macero, Magaly Medda, Fernando Martínez e Humberto Villalobos (Foto: Centro William J. Perry/Wikimedia Commons; Reprodução/X/Omar Gonzalez Moreno; Reprodução/Instagram/Cláudia Macero; Reprodução/X/Michel Caballero Palma; Reprodução/Facebook/Fernando Martinez; Cortesia/El Impulso)

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Seis opositores venezuelanos vivem sob confinamento forçado na Embaixada da Argentina em Caracas. Esses dissidentes, que sabem muito bem o peso brutal do regime de Nicolás Maduro, estão cada vez mais esquecidos no limbo diplomático em um país onde a Justiça e as demais instituições de Estado faliram. No último dia 20, eles completaram sete meses como expatriados em sua própria pátria.

Eles são membros da equipe da líder opositora Maria Corina Machado e entraram na mira do regime de Maduro sob a acusação de terrorismo, ações violentas e desestabilização do país. “Crimes” que são recorrentemente atribuídos aos opositores na Venezuela. Um receituário típico de todo e qualquer regime híbrido ou ditatorial para enjaular seus críticos.

Apesar de estarem na Venezuela, legal e formalmente eles não estão. Até agosto, estiveram por meses sob a proteção da Argentina, como se lá estivessem. Desde agosto estão sob a proteção do Brasil, que assumiu a custódia da embaixada argentina.

Mas Maduro, que não se importa com regras e leis, jamais concedeu um salvo-conduto para que eles saíssem do país. E por que isso? Mais que um cárcere velado é um cativeiro.

Ao sequestrar seis pessoas muito caras à sua principal oponente dentro da Venezuela, Maduro impôs uma mordaça na oposição

Pode parecer absurdo pensar que a ditadura venezuelana pinçaria seis auxiliares de Machado para ameaçar seus opositores, sabendo que todos os dias ele tem enviado inocentes para a prisão, submetidos à tortura e uma série de outras sevícias. Mas o regime enxergou nessas pessoas, que fazem parte do núcleo político de Maria Corina Machado, um ponto nevrálgico.

Não são poucos os sinais que Maduro tem emitido. Desde o início do asilo, em março, a embaixada Argentina esteve sob cerco policial, a energia foi cortada diversas vezes e o regime parecia que rasgaria os tratados internacionais e invadiria a representação para prender os “terroristas”

Nos primeiros meses em que os dissidentes estiveram sob a guarda dos argentinos, os brutamontes que o regime escalou para assediar e amedrontar seus reféns. Depois que o embaixador argentino foi expulso e a guarda da representação passou para a responsabilidade do Brasil, nada mudou.

Maduro chegou a reverter a permissão, impôs regra de silêncio e não deixou de intimidar. De tempos em tempos, simula invasões e mantém a edificação às escuras. O governo brasileiro foi arrastado para o epicentro de uma equação delicada, onde a diplomacia e os interesses políticos internos e regionais colidem com a sobrevivência física e política desses asilados.

Essa situação se tornou ainda mais instável quando Maduro e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva passaram a encenar desentendimentos. Devido às pressões internas e externas que pesam sobre seu governo por seu histórico de tolerância com a ditadura de Maduro, Lula tem aceitado cada vez mais a transição do papel de moderador a crítico de Maduro.

Pessoas familiarizadas com o tema dizem que de fato Maduro e Lula não têm a mesma relação de fraternidade que o brasileiro tinha com Chávez ou tem com outros autocratas. Mas, apesar de mais fria, nunca deixou de ser uma relação boa. Portanto, as tensões podem ter um uso duplo. Poupar Lula do desgaste de lidar com a Venezuela ao mesmo tempo que poupa Maduro de ter que recuar para ajudar Lula.

Caso isso esteja correto, Maduro pode retroceder na concessão de autorizações de tutela do Brasil sobre a embaixada argentina e isso resultaria em quadro crítico para os asilados que nela se encontram. Um movimento que eximiria o Brasil de toda e qualquer responsabilidade.

A questão, entretanto, não seria mais se, mas quando Maduro viraria a mesa. As tensões em Caracas têm aumentado, e a imprevisibilidade do regime é um fator constante de instabilidade. Mesmo que, até o momento, Maduro tenha respeitado os limites da imunidade diplomática, não há garantias de que essa postura será mantida indefinidamente. Em um cenário de escalada de conflitos internos, ou em um momento de necessidade de reafirmação de poder, Maduro pode muito bem decidir romper com as convenções internacionais e invadir a embaixada. Ele pode tudo.

A coisa se agrava quando se atribui ao Brasil o veto à entrada da Venezuela nos Brics. Ao mesmo tempo em que Lula precisa se descolar de Maduro para aliviar a pressão interna. Maduro precisa descolar de Lula para chutar o balde em vários aspectos que elevarão o grau de repressão de seu regime. Uma violação da Embaixada da Argentina não estaria fora de cogitação. Queira Deus que eu esteja errado. Queira Deus que o governo Lula não esteja colaborando com isso.

Lula pode com um simples telefonema reverter a situação. Todos que ele pode e já poderia ter colocado um ponto final na crise dos asilados. Não seria a hora de fazê-lo já?

Conteúdo editado por: Aline Menezes

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