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Leonardo Coutinho

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Brasil, América Latina, mundo (não necessariamente nesta ordem)

Relações com Putin

Brasil e Rússia: como a guerra da Ucrânia explica a teoria da ferradura

O presidente russo, Vladimir Putin: inimigos políticos, tanto bolsonaristas quanto petistas se aproximaram do líder do Kremlin (Foto: EFE/EPA/GAVRIIL GRIGOROV/SPUTNIK/KREMLIN)

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“Maurício Falavigna é professor, educador social, redator de marketing e jornalista. Milita há uma década e meia na área de Inclusão Digital, já tendo dirigido ONGs e alguns projetos sociais.” Assim é definido – ou se define – o autor de um trio de frases que sintetizam a banalidade do mal. Uma expressão, infelizmente surrada, que descreve com perfeição a resposta de Falavigna à pergunta: “E hoje de aniversário a guerra da Ucrânia. Qual é a sua avaliação da guerra da Ucrânia?”.

Não mandei um cartão de felicitações ao Putin, esqueci que era hoje. Mas eu não vejo a hora que ele lance umas 18 bomba nuclear (sic) na Ucrânia, na Inglaterra, na Alemanha, e acabe com a Europa inteira. No íntimo, o que eu mais quero é isso.

A população da Europa é de 751,5 milhões de habitantes. Uma “Europa arrasada”, como o sujeito externou o que jazia em seu íntimo, significa desejar a morte de boa parte dessa população. No mundo ideal e desumanizado, como o do diálogo descrito acima, os indesejáveis são como ratos ou baratas. A desumanização foi um dos recursos usados pelo nazismo como um dos ingredientes do Holocausto.

Joseph Stalin, um dos ídolos desse pessoal, tem em seu currículo algo em torno de 20 milhões de mortes. Pelo menos 1 milhão delas diretamente ordenadas, durante o Grande Expurgo de 1936 a 1939. Outras 1,5 milhão de mortes ocorreram nos campos de trabalhos forçados. E o resto de fome. Somente na Ucrânia, foram mais de 6 milhões de vítimas. Para se ter uma ideia do gigantismo do genocídio promovido por Stalin na tão odiada Ucrânia: desde o início da pandemia de Covid-19 até hoje, foram contabilizadas 6,8 milhões de mortes em todo o mundo.

As “18 bomba nuclear” do professor, além de varrer o pluralismo da face da terra, transformariam Vladimir Putin em um herói que deixaria o chinês Mao Tsé-Tung e seus 60 milhões de mortos parecendo um escoteiro de tão inofensivo.

Agora imagine uma ferradura. Em um exercício de abstração, coloque o professor com tenções genocidas em um dos extremos do sapato de cavalo. Percorra mentalmente a forma em direção à outra extremidade do objeto. Depois de se afastar ao máximo do plano de destruição total da Europa, o percurso, ainda que em direção oposta, volta a nos levar para perto do ponto de partida. Com a sutileza de jamais proporcionar um ponto físico de contato, como ocorreria em um círculo, por exemplo.

Quando chegamos ao outro extremo da ferradura, quem encontramos? Outro radical. Desta vez de direita. E quase sempre defendendo algo muito próximo daquilo que pensa quem está no extremo oposto. Ambos se odeiam. Não escondem sequer o desejo de aniquilação do polo contrário. Mas são mais parecidos do que diferentes.

Podemos dizer que nessa outra ponta da ferradura está alguém que se veste de cavaleiro templário, luta contra o globalismo e os banqueiros atlantistas que financiam os nazistas e defensores da nova ordem mundial na Ucrânia. Putin, como “grande conservador” que é, combatendo as ideologias de gênero, o climatismo e o ateísmo. Valores que dão a ele a legitimidade moral de impedir os invasores ocidentais da OTAN e dos Estados Unidos, que usam a Ucrânia como pretexto para impor sua agenda de dominação global.

Sendo assim, vamos ampliar a relevância do antagonismo político e suas contradições. A invasão da Ucrânia colocou os opostos Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva nos extremos da ferradura. Por razões diferentes, Bolsonaro e Lula abraçaram Putin e assumiram o mesmo lado na guerra.

Putinistas oriundos do Itamaraty sopraram nos ouvidos de Bolsonaro odes de amor ao presidente russo ao ponto de o então presidente cair no conto de que, depois da derrota de Donald Trump na eleição de 2020, o melhor era se juntar a Putin, o conservador. A união foi selada com a crise dos fertilizantes, quando a Rússia fisgou o Brasil devido à dependência que o agro brasileiro tem em relação ao insumo que é importado, em grande parte da Rússia. Para garantir o suprimento e a produção de alimentos para o mundo, Bolsonaro se juntou a Putin.

A aliança de Lula com Putin tem outra dimensão. O comércio e os fertilizantes são apenas a cobertura para um plano estratégico de longa data. Hoje, ele é evidente. Mas Lula, Dilma, Putin, Xi e a patota dos Brics já estavam cantando a pedra há tempos. O casamento é antiocidental. Ou mais precisamente, antiamericano. Um projeto de reorganização do mundo.

Bolsonaro, pode-se dizer, pavimentou a estrada percorrida por Lula. O petista, por sua vez, vai concluir a obra iniciada por Bolsonaro.

O “novo mundo” que emerge com a ajuda do Brasil e sua ferradura política quer prover uma zona cinzenta sem controle e pressão ocidental. Um Sul Global meio bandoleiro, mas com tintas de autodeterminação. Um grande colchão para proteção contra problemas já testados por meio da Rússia e sua invasão na Ucrânia.

Sob a liderança da China e com a adesão do Brasil, o tal “novo mundo” que surge é o mundo seguro que Pequim quer para si e para seus aliados, onde ninguém poderá cobrá-los de nada. No caso da China, uma clara preparação para invadir Taiwan e mitigar pressões como sanções. Com um sistema de pagamentos próprio, fica garantido o fluxo financeiro. Além de ter países com suas reservas coalhadas de moeda chinesa, torna-os reféns. Não jogariam contra a sua própria estabilidade pressionando economicamente a China.

Não há como ser otimista com o futuro. Por mais que o mundo livre tenha suas falhas e contradições, só em delírio alguém pode dizer que as sociedades que se desenvolveram em busca de liberdade e democracia são decadentes quando comparadas com a proposta de mundo que a China oferece.

E tudo indica que nos extremos da ferradura, o pessoal está trabalhando duro (de maneira às vezes distintas) para isso acontecer.

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