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2024 foi o ano em que as autoridades nos contaram que o PCC tem um banco. Na verdade, um monte de banquinhos que se interconectam para irrigar os cofres de um banco que serviu para a organização movimentar mais de R$ 8 bilhões. Essas mesmas instituições financeiras, dizem as investigações, serviram para ocultar fluxos financeiros que serviram para irrigar algumas campanhas políticas de vereadores (mas obviamente não só).
Embora a cada eleição, a infiltração do crime organizado na política seja tratada com certa dose de ineditismo, ela não é novidade. Dos 730.000 doadores das eleições municipais de 2016, nada menos que 300.000 não tinham lastro financeiro para justificar as doações.
A constatação, a partir do cruzamento de dados da Receita Federal, foi apresentada no ano seguinte pelo então presidente do TSE, Gilmar Mendes, e pelo ministro da Defesa, Raul Jungmann. Na ocasião, ambos disseram se tratar de recursos provenientes de fontes ilícitas, mas especificamente de facções criminosas e milícias.
O que foi feito desde então? Cadê os nomes dos políticos que receberam essas doações? Quais providências foram tomadas em relação a eles e seus doadores? Oito anos depois, o tema da infiltração do crime nas campanhas eleitorais está de volta. Mas, e daí?
Quão longe ou protegidas estão as instituições brasileiras para evitar que o país se torne um estado criminalizado? Quão longe estamos de replicar o modelo da Venezuela, Bolívia e Cuba – países em que o aparato de Estado não só está penetrado pelo crime, mas passou a ser agente protagonista do crime. Não só participando de ações como narcotráfico, mas organizando-a e manejando-a como instrumento de ação de Estado?
Para tentar medir a distância em que nos encontramos da falência institucional, que os sintomas representados pelo “banco do PCC” ou pela incapacidade de frear a penetração do crime na política, sugerem vale perguntar em que medida os conceitos do que vem a ser um Estado Criminalizado se aplicam ao Brasil.
A primeira delas: há infiltração do crime organizado nas estruturas do Estado? Seja por meio da corrupção e cooptação de agentes públicos, seja pela participação direta de agentes do Estado em atividades criminosas diretamente ligadas às organizações de crime organizado, como o PCC.
Uma segunda pergunta a ser feita: a máquina estatal é usada para fins criminosos? Por exemplo, licitações são direcionadas para empresas pertencentes às organizações criminosas, contratos de serviços como de carros-pipas, por exemplo, são usados para lavar dinheiro.
Outro ponto a ser considerado: As instituições responsáveis pelo controle e pela fiscalização do Estado, como o sistema judiciário, o Ministério Público e a polícia, tornaram-se ineficientes ou são cooptadas pelo crime, o que compromete a aplicação da lei?
Como consequência, há uma intensa perda de confiança no Estado e em suas instituições, o que gera instabilidade social e política
Por fim, em casos mais extremos: o aparato de Estado está ativamente engajado na atividade criminosa? Como, por exemplo, o emprego de veículos oficiais para o transporte de drogas, armas ou dinheiro, por exemplo.
O conceito é muito mais amplo e envolve muitos aspectos que são mais transparentes em regimes como o fundado por Hugo Chávez e herdado por Nicolás Maduro. Na Venezuela, as forças armadas formaram um cartel de drogas próprio em que caminhões militares são usados para transportar toneladas de cocaína.
As autoridades bolivianas pediam autorização para voos militares e humanitários para atravessar os céus de países como o Brasil, usando-os como fachada para abastecer os cartéis mexicanos com cocaína.
O número de "sins" ou "nãos" às poucas perguntas apresentadas podem ajudar a percebem em que medida estamos nos aproximando de nos transformar em uma Estado em que o crime se infiltrou ao ponto de tomar o controle das instituições.
O Brasil está muito longe do que Chávez e Maduro fizeram com a Venezuela. Mas o Brasil está cada vez mais próximo do que a Venezuela se tornou. Vai repetir a receita? Provavelmente não, pois cada país e sociedade têm suas peculiaridades, forças e fraquezas. Mas o Brasil está imune?
Conteúdo editado por: Aline Menezes