| Foto: Lluis Gene / AFP

As redes 5G são um fato inexorável. A questão é como o Brasil embarcará nessa tecnologia que promete ser mais revolucionária do que a própria Internet em si. Com a possibilidade de o leilão das faixas de frequências ocorrer no final de 2020, o debate (e o embate) entre as empresas que proverão a infraestrutura saiu dos bastidores. Nesta semana, a Câmara dos Deputados foi palco de uma audiência pública que, apesar de ter transcorrido em uma clima de mais profunda cordialidade, deu as pistas do tamanho da briga que está por vir.

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A reunião na Câmara não ocorreu na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática. Tampouco se deu na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços. A sueca Ericsson, a americana Qualcomm e a chinesa Huawei foram convidadas a falar de suas soluções na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional. Linha cruzada? Por sorte, não. Para o Brasil colher da melhor forma os frutos da revolução prometida pelas redes 5G, a lanterna de popa não pode ser outra que a defesa incondicional dos interesses nacionais.

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Enquanto no mundo, o centro da discussão do 5G é a segurança, no Brasil há uma jabuticaba. O foco do debate sequer é econômico. É dinheiro. Não é necessária uma leitura atenta do noticiário para perceber que não faltam argumentos para o Brasil se manter fora da "briga comercial" entre os Estados Unidos e a China. A "difamação" contra a China e sua gigante Huawei seria apenas parte de uma campanha para demonizar o dragão que montou sob a fachada de uma empresa "privada" a estatal que é maior vendedora mundial de infraestrutura de telecomunicação e segunda maior fabricante de smartphones do planeta, que emprega 188 mil pessoas e opera em 170 países.

Este, por sinal, é o primeiro nó na relação com os chineses. O governo do país insiste em maquiar a relação com a empresa. Na sua apresentação perante o Congresso brasileiro, o representante da Huawei, logo na primeira frase da apresentação, reforçou esta ficção. "A Huawei é uma empresa privada". No início do ano, uma dupla de professores – sendo um da Fulbright University Vietnam e outro da George Washington University Law School, com sede na capital americana – descreveu em detalhes a história, composição e atuação da companhia que eles afirmam ser uma estatal travestida de privada.

Eles desmontaram a tese da "empresa privada" mostrando que a holding que é dona da Huawei tem 99% de seu capital nas mãos de um tal "Comitê Sindical". Muitos creem ser uma espécie de cooperativa. Mas, na China os sindicalistas e sindicalizados não têm direito aos ativos de um sindicato. Essas entidades são subordinadas aos Estado. Uma figura intermediária para (qual razão não se sabe) ocultar que o Partido Comunista Chinês é quem manda na companhia.

Ainda sobre a apresentação na Câmara dos Deputados, a Huawei fez questão de fechar o discurso com um conselho. "Uma boa política de telecomunicação deve basear-se em padrões bem objetivos, não questões geopolíticas". A questão é que o que é "bom" para o governo chinês é o mesmo que será bom para o Brasil?

O paradoxo é que as questões de segurança e de geopolítica só vieram para o centro da discussão do 5G justamente pelo fato de a Huawei pecar na transparência e ter um histórico de violação de propriedade intelectual que abriu as portas para espionagem dentro de algumas instituições mais sensíveis do sistema de Defesa e de segurança dos Estados Unidos.

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Apenas para descrever alguns exemplos, os chineses foram pilhados vendendo equipamentos falsificados para o governo dos Estados Unidos. As investigações revelaram que além de serem cópias – o que poderia se limitar à pirataria – os equipamentos traziam backdoors que permitiam o roubo de informações e espionagem.

Recentemente, eu dediquei muito tempo para tentar entender os fundamentos da preocupação com o papel da China no mercado do 5G. O resultado pode ser acessado clicando aqui. Aprendi que os chineses, ao contrário do que eles aconselham ao Brasil, veem as telecomunicações como uma ferramenta geopolítica. Em alguns aspectos até como uma arma, dentro de uma nova geração de guerra, na qual os tanques e bombas se tornaram obsoletos.

É muito fácil turvar a leitura do cenário com tintas teórico-conspirativas, mas não é nada inteligente ignorar as complexidades da estratégia chinesa para conquista de mercados, poder e influência no Ocidente. Há um raciocínio corrente, entre aqueles que rejeitam os riscos de segurança, que quando o assunto é espionagem, o histórico é negativo para os Estados Unidos. Em referência ao caso revelado pelo americano Edward Snowden que roubou e divulgou dados que revelaram a máquina de espionagem massiva que era mantida pela Agência Nacional de Segurança (a NSA, conforme a sigla em inglês).

Para quem pensa assim, a ideia é a seguinte: "Já que seremos espionados de qualquer jeito. Melhor que seja por quem nos trata melhor". Ou seja: quem pagar mais pode escutar à vontade. Faz sentido? O Brasil e os brasileiros talvez não tenham consciência, mas não somos um bananal. O Brasil é um país altamente relevante no cenário internacional e topar negociar algo tão complexo como se fosse uma fruta é algo muito perturbador.