Candidato à presidência da Argentina, Javier Milei é um “ancap” convicto.| Foto: EFE/Juan Ignacio Roncoroni
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O argentino Javier Milei mitou! Contra todos os prognósticos e análises, o anarcocapitalista amalucado com perfil com fortes traços de incel venceu as primárias com 30% dos votos. Um resultado tão expressivo que ele já pode se considerar dono de uma das vagas no segundo turno da eleição que ocorrerá em novembro deste ano.

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Mas, em vez de festejar e partir para frente, Milei resolveu reclamar. Disse que foi roubado. Isso mesmo. Milei, o mesmo Milei que brilhou nas prévias, jura ter provas de que houve fraude no pleito em que ele é o grande vencedor. Que ele teria recebido um volume tamanho de votos que mostraria que em outubro venceria no primeiro turno. Mas um montão de votos foi simplesmente roubado.

“De onde o senhor tirou isso?”, perguntou o entrevistador do canal de vídeo do jornal La Nación. Milei respondeu: “Temos os relatórios. A pessoa que mandou isso se chama Fernando. Ele tem todos os relatórios”. O Fernando, citado por Milei, tem como sobrenome Cerimedo. É o mesmíssimo argentino que em 2022 virou estrela no Brasil com “as provas” de que a eleição havia sido fraudada. Um personagem tão surreal quanto a sua história e a relevância que ela ganhou no núcleo duro do bolsonarismo e em sua militância.

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Em geral, sobretudo em um contexto de animosidade, dizer o que se quer ouvir é o que basta

Ninguém se perguntou quem era, de onde vinha e quais as capacidades de alguém – que até então só havia se dedicado a fazer espuma nas redes sociais – para virar o suprassumo da tecnologia e análise de dados. Mas nem precisava. O “argentino da live” validava a crença. Em geral, sobretudo em um contexto de animosidade, dizer o que se quer ouvir é o que basta.

Em 2020, o americano Donald Trump perdeu a eleição. Perdeu para ele mesmo, mas perdeu. Ponto final? Não. Ele se seus seguidores não digeriram a derrota, e até hoje choram e rangem os dentes. Embalados por toda ordem de indignação com pitadas de alucinação e muita burrice, invadiram o Capitólio. Dois anos depois aconteceu o mesmo no Brasil. Jair Bolsonaro perdeu para ele mesmo, mas perdeu. Ponto final? Não. Ele se seus seguidores não digeriram a derrota, e até hoje choram e rangem os dentes. Embalados por toda ordem de indignação com pitadas de alucinação e muita burrice, invadiram o Palácio do Planalto, o Supremo e o Congresso.

Os eventos de 2020, nos Estados Unidos, deveriam ter servido de lição para Bolsonaro e sua base. Só que não. Os eventos dos Estados Unidos e do Brasil deveriam servir de lição para Milei. Mas, ao que parece, não vão. E o resultado já sabemos qual é.

O que está acontecendo no mundo é um esforço brutal para que as pessoas desacreditem na democracia. E este esforço tem pai, mãe e tios. China, Rússia e seus agregados em Caracas, Teerã, Havana e outras quebradas autocráticas.

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Quando Trump venceu a eleição, em 2016, todo mundo se assombrou. “Como foi possível?” Então apareceu a tese de que foi graças a uma mirabolante intervenção russa. O Partido Democrata alimentou a tese e a imprensa dos Estados Unidos a comprou sem muita reflexão. A reboque veio o mundo inteiro, colocando em dúvida a saúde da maior democracia do planeta. E quem quer desacreditar a democracia não precisa intervir de fato, mas fazer com que as pessoas acreditem na intervenção. É uma arte.

O pavimento é relativamente simples de ser compreendido. Primeiro, é necessário identificar um ou vários sentimentos que provocam indignação. No Ocidente não faltam. Vão desde a overdose de pautas identitárias ao vandalismo cultural, por exemplo. Então, basta amplificar. Apresentar remédios autocráticos como um certo Nayib Bukele, para vender como boas e necessárias medidas autoritárias para corrigir as falhas da democracia, a falecida. Direitistas passam, então, a idolatrar El Salvador, assim como os comunas a reverenciar Cuba. Duas autocracias.

O mesmo Milei que promete não negociar com comunistas – no caso, a China – pode estar ajudando bovinamente a normalizar um mundo que a China quer, onde a democracia é um valor tão relativo ou flexível que eleições serão apenas um detalhe

“Ah! Nada a ver. Em El Salvador, Bukele está defendendo a população e mandando bandido para cadeia. Em Cuba quem sofre é o povo que se queixa na rua por pão e liberdade.” Verdade? Verdade. Cuba é uma ditadura consolidada. El Salvador é uma ditadura em construção. Cuba já implodiu a democracia há tempos. El Salvador está servindo de plataforma para justificar que a democracia não serve mais.

E o que Milei e seu “argentino da live” têm a ver com isso? Eles estão erodindo ainda mais os pilares da democracia. O mesmo Milei que promete não negociar com comunistas – no caso, a China – pode estar ajudando bovinamente a normalizar um mundo que a China quer, onde a democracia é um valor tão relativo ou flexível que eleições serão apenas um detalhe.

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A luta antissistema de Milei e de vários outros pode, ainda que involuntariamente, estar colaborando pela substituição por algo que nos fará sentir saudades dessa tão maltratada democracia.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]