A Amazônia foi equivocadamente chamada, nos anos de 1980, de pulmão do mundo. Hoje, o mundo assiste o terror das mortes de pacientes de Covid-19 por falta de oxigênio, nos hospitais de Manaus. Embora não exista relação alguma entre o tal ar puro que muita gente pensa que a Amazônia provê e o gás que está faltando nos hospitais, os cerca 30 milhões de pessoas que vivem na região paradoxalmente pagam uma dura conta por viverem em lugar exuberante, mal compreendido e abandonado.
As pessoas que estão morrendo por falta de oxigênio em Manaus e em outras cidades amazônicas não estão sendo sufocadas pela perda da capacidade respiratória provocada pelo coronavírus, apenas. Morrem por serem amazônidas. Por terem crescido e vivido em uma região que colecionas alguns dos piores indicadores do país.
Para a maioria absoluta de quem vive na Amazônia, a experiência é a mais pura antítese do paraíso.
Mas não deveria ser assim. A questão é que o perseguido desenvolvimento sustentável esbarrou em visões conservacionistas que ou ignoravam os seres humanos presentes ali, ou os via como intrusos que deveriam ser quase que castigados por um dia terem se assentado na região.
Quando o homem amazônico passou a ser considerado como uma peça importante na equação preservação + desenvolvimento, a população recebeu uma sentença quase capital. A condenação ao extrativismo. Como se açaí, pirarucu, castanha-do-pará e óleos naturais fossem capazes de gerar riqueza em escala suficiente para manter o bem-estar das pessoas e a floresta em pé.
Joe Biden quer salvar a Amazônia porque alguém contou para ele que a floresta retira da atmosfera mais carbono que os Estados Unidos inteiro são capazes de emitir. Um sorvedouro de gases estufa tão poderoso capaz de compensar emissões colossais como as americanas. Um equívoco que muita gente insiste em fazer prosperar. A mesma Amazônia que limpa, suja o ar. Limpa novamente, para depois voltar a sujar. Em um constante equilíbrio que faz aquela floresta ser um dos lugares mais excepcionais do planeta.
As queimadas e o desmatamento ameaçam este balanço. As emissões geradas pela queima e a perda da cobertura florestal empurram a floresta para uma conta em que a saúde do planeta sairá perdendo. Esse é o risco real. Mas essa chatice sobre o ciclo do carbono na Amazônia pouco importa para o que o novo presidente dos EUA quer fazer e amazônidas e a floresta realmente parecem precisar.
Biden trabalhará para montar um fundo – mais um por sinal – para arrecadar alguns bilhões de dólares para fazer pressão pelo fim da destruição a floresta. Parece uma boa ideia, mas é mais uma âncora para o desenvolvimento da região e um cosmético que promete preservação.
Executivos de ONGs adoram fundos. São uma extraordinária fonte de projetos lindamente bem desenhados que garante bons salários e consciência limpinha para muita gente. Mas objetivamente. Bem objetivamente. O que tem mudado na vida de quem realmente depende da floresta para viver ou vive nas cidades amazônicas coalhadas de favelas, sem saneamento básico e com crises de abastecimento de energia e, acredite, de água potável. Nada. Ou quase nada.
Biden quer salvar a Amazônia. Acho que ele deveria começar salvando quem vive na floresta em suas cidades. E a saída para o futuro sustentável da Amazônia não passa exclusivamente por catadores de coquinhos e seringueiros.
Há quem queira passar o resto da vida nessas condições e esses devem ser respeitados e estimulados nessas atividades tradicionais. Mas colocar nas costas deles o peso de proteger e desenvolver uma região de dimensões e desafios superlativos é uma engano que já deveria ter sido abandonado.
O que Biden, Jair Bolsonaro e quem tem poder de planejar ações efetivas para o futuro de quem corre o risco de morrer por falta de oxigênio, malária, picadas de cobras, por falta de leitos ou vítima da violência explosiva daquela região precisa considerar pelo menos dois fatores. 1) Ninguém destrói a floresta por satisfação pessoal. Dá trabalho. Custa dinheiro. Cada árvores que cai é para virar dinheiro. Em muitos casos alimento, remédio, combustível para atravessar as longas distância para poder sacar o cartão do Bolsa Família. Coisas simples, como ir ao banco do outro lado da rua, na Amazônia podem se transformar em uma atividade onerosa e demorada.
No lugar de um fundo, Biden poderia incentivar uma massiva transferência de indústrias limpas para a região. O governo brasileiro ao invés de espernear deveria criar as condições de infraestrutura e fiscais para tornar atraente a chegada de empresas sem chaminés que estimulariam a melhoria das cidades, gerariam impostos, movimentariam o comércio, criariam empregos que tirem o foco e peso sobre a floresta.
A Intel, por exemplo, que por meio da fundação de seu criador Gordon Moore destina milhões e milhões de dólares para projetos fofos na Amazônia, poderia produzir parte de seus processadores na região. O mesmo se aplica a HP, Apple e outros gigantes da tecnologia poderiam usufruir da fartura de energia que existe na Amazônia e da proximidade com o mercado americano e europeu, por exemplo carregando a marca de “Produzido na Amazônia”. Mas preferem montar seus produtos na China. As razões são várias. Mão-de-obra barata, nenhuma lei trabalhista, ausência de sindicatos e uma série de outras vantagens que só uma ditadura pode oferecer.
Mas todos querem ver a Amazônia preservada. Mas ninguém quer se mexer por isso. Assumir os custos disso.
Biden quer mesmo fazer algo. Os sinais são claros de que ele fará algo e em breve. A fila de gente com ideias antigas e rentáveis é enorme. E há grandes chances de que ele caia na velha arapuca de fundos e outros paliativos que trouxeram a Amazônia do mesmo jeito até agora.
O Brasil tem a chance de tirar proveito. A Amazônia não precisa de mais um fundo para ficar ditando regras. A maior floresta tropical do planeta, lar de mais de quase 30 milhões de brasileiros precisa de uma mudança de fundo. Um câmbio na sua matriz econômica e na sua relação com o mundo. Os o Brasil e os amazônidas não precisam de tutela, mas de qualidade de vida que só virá com protagonismo.
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