Os ditadores da Venezuela, Nicolás Maduro, e da China, Xi Jinping, durante encontro realizado em Pequim em setembro de 2023.| Foto: EFE/Prensa Miraflores
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A Guiana, ex-colônia britânica que divide com o Brasil 1.605 quilômetros de fronteira na região amazônica, transformou-se no novo Eldorado petroleiro. Desde que os primeiros poços de petróleo foram perfurados em 2015, a economia do país quadruplicou. Em 2020, seu PIB registrou um crescimento de 43,5% e neste ano deve repetir o feito. O vizinho Nicolás Maduro não gostou nadinha da novidade. Passou a usar uma disputa territorial que se arrasta desde o fim do século 19 para tentar congelar o avanço guianês.

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O regime de Maduro anteviu que a emergência de um competidor – alinhado com o Reino Unido e os Estados Unidos – é potencialmente fatal para a estabilidade de seu empreendimento criminoso disfarçado de governo. O caso se torna ainda mais tenso se considerar que a Guiana, com o tsunami de dólares que chegam por lá, invariavelmente se armará até os dentes, tornando-se ela própria capaz de fazer frente às ameaças do regime chavista.

Se uma guerra na América do Sul fizer parte da estratégia de Vladimir Putin ou Xi Jinping, Nicolás Maduro é o cara que colocará o seu país a serviço do plano de seus padrinhos

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Maduro sabe que a queixa por Essequibo – um naco de terra de 159,5 mil quilômetros quadrados (um pouco maior que a área do estado do Ceará) que abrange 74% do território da Guiana – é uma unanimidade em seu país. Chavistas ou não, os venezuelanos afirmam que aquela região pertence a eles e não aceitam as arbitragens internacionais.

Além de ser um problema real para o regime, a ascensão da Guiana também se transformou em oportunidade. Antes de uma possível guerra por Essequibo, Maduro precisa vencer uma eleição. “Vencer” não é bem um problema para Maduro. “Eleição” é um vício de linguagem para se referir ao teatro que de tempos em tempos é encenado na Venezuela.

Habilidosamente, enquanto o país se agita em torno da definição de quem serão os candidatos que enfrentarão Maduro no ano que vem, o regime lançou um referendo com cinco perguntas marotas que, na prática, servem para formalizar “a vontade do povo” para que a Venezuela invada a Guiana. Em nota, a Comunidade do Caribe (Caricom), que reúne 20 países da região, disse que, se respondidas afirmativamente pela maioria da população, pelo menos duas das perguntas serão uma autorização formal para o regime de Maduro invadir e anexar a parte contestada do território guianense.

Maduro quer guerra? A resposta para essa pergunta é difícil, pois uma guerra por Essequibo não é o fim, mas o meio para Maduro se manter no poder, ganhar legitimidade e tocar fogo na região. Mas toda e qualquer resposta passa pela China e pela Rússia. O regime de Maduro é teleguiado pelas duas potências extrarregionais e não se move a não ser para atender os objetivos de ambas. Se uma guerra na América do Sul fizer parte da estratégia de Vladimir Putin ou Xi Jinping, Nicolás Maduro é o cara que colocará o seu país a serviço do plano de seus padrinhos.

São poucos os assuntos na América Latina com o mesmo poder que Essequibo tem sobre os venezuelanos. Na Bolívia, por exemplo, é o mar – ou melhor, a ausência de mar. No fim do século 19, em uma disputa pelo controle de áreas de mineração no Deserto do Atacama, Bolívia e Peru se uniram em uma guerra contra o Chile, que saiu vitorioso e mordeu um naco do sul do Peru e conquistou uma porção do território boliviano, tirando-lhe a saída para o Pacífico.

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São poucos os assuntos na América Latina com o mesmo poder que Essequibo tem sobre os venezuelanos

Essa ferida de guerra jamais se curou. Em 2018, enxovalhado por toda a oposição do país, Evo Morales lançou uma campanha pela reconquista do mar e convocou todos os ex-presidentes vivos a viajarem com ele para Haia, onde a Corte Internacional julgaria um recurso da Bolívia contra o Chile. Quase todos atenderam, mesmo aqueles que passam o dia chamando Morales de corrupto, cocaleiro e coisas piores. Embarcaram no mesmo avião e posaram juntos para foto da campanha pelo mar.

Algo semelhante ocorre na Argentina, onde 80% da população defende que o país deve seguir reclamando a soberania sobre as Malvinas, o arquipélago ultramarino sob domínio britânico, que é reivindicado pela Argentina. No caso dos argentinos, que no início dos anos de 1980 encararam e perderam uma guerra de pouco mais de dois meses contra o Reino Unido, o ressentimento é ainda mais potente.

Se explorados para atender os interesses geopolíticos dos mesmos atores extrarregionais que hoje patrocinam o regime de Maduro, temas como esses podem se tornar pontos de fragilidade para a estabilidade regional (ou quem sabe global). São fissuras na América Latina com enorme potencial de se transformar em conflitos.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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