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Leonardo Coutinho

Leonardo Coutinho

Brasil, América Latina, mundo (não necessariamente nesta ordem)

Ditadura chavista

Maduro não nos promete um ano de paz

Ditador Nicolás Maduro
O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro (Foto: YURI CORTEZ / AFP)

Estreei neste jornal com um artigo pessimista. Acho que pode ser interessante relê-lo antes ou depois de seguir em frente neste. Em fevereiro deste ano que termina, escrevi algo que muita gente pode ter entendido como absurdo ou paranoico: o regime de Nicolás Maduro estava disposto a arrastar o Brasil para um conflito. Não só o regime, para ser sincero. Assim como em muitas brigas de rua, estavam na roda daqueles que incitam a rinha, a própria oposição venezuelana, os vizinhos colombianos e alguns políticos de norte a sul do continente. Todos muito eufóricos com a chegada do então desconhecido Juan Guaidó no cenário político, prometendo o fim da usurpação de poderes por parte do chavismo. Acreditando que com um político sobressalente, alguns bombardeios, tiros e cadáveres a questão seria resolvida em questão de muito pouco tempo. A realidade se mostrou muito mais complexa.

O ano chega ao fim e o problema é o mesmo. A depender da Venezuela, o Brasil não terá um 2020 de paz. Os sinais são claros. No início desta semana (domingo 22), o regime de Maduro declarou ter ocorrido um assalto contra uma instalação militar no Sul do país e acusou o presidente brasileiro Jair Bolsonaro de envolvimento com o ataque. A mensagem foi retransmitida pelo ministro da Defesa Vladimir Padrino López que pela primeira vez usou o Twitter para atacar o Brasil.

Na manhã de Natal, os opositores venezuelanos divulgaram um áudio atribuído a um dos militares insurgentes. No arquivo de 61 segundos, um tenente relata que depois de fugir para o Brasil, ele e seus colegas foram perseguidos por militares venezuelanos "em território brasileiro". Em um relato muito pouco convincente, o militar diz que o exército de Maduro os caçou em solo brasileiro por aproximadamente quatro horas.

Ainda em 2018, Maduro iniciou o discurso belicista conta o Brasil. Ele acusou o presidente Bolsonaro de fazer parte de uma conspiração internacional que planejava matá-lo e iniciou uma escalada militar na região. Posicionou sistemas antiaéreos na fronteira com a Colômbia e estacionou radares nas franjas do território brasileiros. A ameaça era puro teatro, mas tinha como objetivo uma escalada dos vizinhos. Os sistemas apontados para Colômbia foram colocados em uma área em que se fosse para valer, eles não teriam efeito algum. Próximo a montanhas, eles teriam suas capacidades altamente reduzidas. Sem falar que muitos deles sequer funcionavam, conforme denunciaram as imagens de satélite.

As provocações de Maduro, entretanto, até então, não deram em nada graças ao Brasil. A Constituição Federal impede intervenções militares e as Forças Armadas brasileiras compreendem que a guerra total – que os venezuelanos esperavam com a chegada de Guaidó ao poder e uma sonhada aliança entre Brasil e Colômbia – seria um grande tiro no pé. A questão aqui nem é a tão falada superioridade militar venezuelana. Algo que precisa ser relativizado por causa dos caças e sistemas de defesa russos que simplesmente não funcionam por falta de peças e manutenção.

Uma guerra na Venezuela não seria contra Maduro. Aliás, Maduro está chamando os vizinhos para briga porque atua em total coordenação com seus aliados. No caso mais evidente, a Rússia, que é dona de parcela importante do petróleo venezuelano e tem trabalhado para estabelecer sua influência na região tendo Caracas como base. Uma guerra ali seria contra os interesses russos. Algo que poderia estender o conflito para algo além dos interesses locais.

A oposição venezuelana nunca se entendeu e jamais foi capaz de criar um consenso em torno de Guaidó. Mas se há algo que os une é o desapontamento com o Brasil. Pessoalmente, tive que explicar um milhão de vezes as razões pelas quais o Brasil não embarcaria nos sonhos intervencionistas deles. E são impublicáveis as reclamações que ouvi de alguns deles.

Maduro e seus opositores sabem das limitações constitucionais e da consciência estratégica dos militares brasileiros. Por isso, os eventos natalinos devem ser tratados com frieza e cuidado. Não se trata de ensinar ninguém a tratar as mensagens enviadas pela ditadura. Mas dar crédito às versões de Maduro é temerário. É quase colocar-se à serviço de sua máquina de propaganda. Que por sinal, está funcionando plenamente por meio dos canais estatais russos RT e Sputnik, que muitos jornalistões brasileiros têm dado crédito ignorando ou omitindo que os dois meios são a "voz do Kremlin".

Por essa razão, é sempre recomendável pensar que alguém pode estar trabalhando para forçar uma situação. Arrastar o Brasil para um conflito. Na oposição venezuelana não falta quem queira isso. No Palácio de Miraflores, também. Por mais que pareça paradoxal, uma guerra não seria ruim para o chavismo. A "intervenção estrangeira" legitimaria muito do discurso de Maduro de que a Venezuela está sob agressão externa. E como ele não estaria só, sabe que seus amigos russos, chineses e iranianos ajudariam a permanecer no poder, como têm feito até então.

O próprio comportamento de Nicolás Maduro nos distúrbios que se alastraram pelo Chile, Peru, Colômbia e Equador mostra o esforço do ditador para legitimar o discurso da oposição de que ele e seu regime apoiado por Cuba são uma ameaça hemisférica. Agentes do regime foram identificados e presos em diversas situações. Em todas elas, eles traziam no bolso a identificação do serviço de inteligência para "provar" que eles eram quem se suspeitava que fossem. Algo tão surreal que se explica apenas pelo fato de que Maduro quer confusão. E, infelizmente, o Brasil está nos planos de conflito do ditador e seus aliados. Não há solução no horizonte e 2020 será um ainda mais complexo para o Brasil frente às armações da ditadura chavista.

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