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A administração Biden anda tão capenga que os republicanos achavam que o desempenho deles nas eleições parlamentares desta semana seriam uma lavada. Eles levaram a maioria na Câmara e possivelmente no Senado. Mas chegam muito menores do que esperavam. Taxas de inflação em níveis tropicais, violência em alta, caos migratório na fronteira sul, cracolândias brotando como grama em cada canto das grandes cidades não foram suficientes para convencer os eleitores de que a incompetência dos democratas é maior que o vexame da base radical trumpista.
As feridas de 6 de janeiro de 2021 racharam o Partido Republicano e afastaram os eleitores que se assombraram com as cenas da invasão do Capitólio e se convenceram de que o modelo radical não é o caminho. Muitos não só repudiaram, mas passaram a sentir vergonha.
Trump saiu das eleições de 2020 muito maior do que quando foi eleito. Mas perdeu. A derrota tirou o foco do presidente de sua base, que partiu para a leitura básica que mais ou menos diz: de que vale ter recebido mais votos do que em 2016 se não ganhamos a eleição?
Trata-se de um raciocínio pragmaticamente correto, mas estrategicamente perigoso. Quando Trump partiu para a maluquice de questionar uma eleição, cujas regras são ruins e cheias de buracos, mas são as regras. Enquanto o sistema não é aprimorado, é com as regras vigentes que se deve jogar. Trump não fez absolutamente nada para melhorá-las e depois que perdeu, resolveu choramingar.
O ex-presidente Trump foi seu maior adversário. Ele perdeu para ele mesmo. Mas a falta de autocrítica o impediu de reconhecer as falhas e, consequentemente, ajustar a proa para possível retorno em 2024.
Quando Trump foi eleito, meio mundo entrou em pânico acreditando na lorota de que os Estados Unidos estavam sob o comando de um candidato a autocrata e que a democracia seria destroçada. A imprensa entrou em “modo de combate” e as classes políticas – inclusive o establishment republicano – trabalharam para alimentar a tese de que Trump afundaria os Estados Unidos nas trevas e levaria o mundo junto.
Entre erros e acertos, Trump atravessou seu mandato com louvor. Obteve índices econômicos incríveis, proporcionou ascensão social e inclusão mais que qualquer outro presidente nas últimas décadas e parecia estar com a reeleição nas mãos. Mas vieram a pandemia de Covid-19 e a bandalha oportunista daqueles que surfaram sobre o cadáver de George Floyd.
Enquanto da porta para dentro do governo Trump fazia a lição de casa para combater a pandemia de Covid-19, para o mundo ele mandava um recado ambíguo. Muito além do limite da racionalidade. Mergulhado em crises dentro de crises, parece ter embarcado em um processo de autofagia do seu capital político de forma que Biden, trancado em porão com medo de contrair Covid, cresceu e prosperou em cima dos erros de Trump.
Em 6 de janeiro, quando tudo desandou, apenas duas horas de baderna foram suficientes para transformar Trump em exatamente tudo aquilo que, durante quatro anos, seus adversários e críticos se esforçaram para convencer o mundo de que ele era.
Trump se transformou em um golpista. Sua base se tornou radioativa e cada vez mais restrita ao seu ciclo de autovalidação.
O Partido Republicano está dividido entre os trumpistas, os simpatizantes do governador da Flórida, Ron DeSantis, e os democratãos clássicos, de onde vieram os ex-presidentes da família Bush e todos os outros antes da emergência do trumpismo.
O panorama para 2024 para os republicanos parece ter chegado a uma encruzilhada. Trump é a maior força e a maior fraqueza do partido. Ele é o centro de uma disputa e divisões internas que se mostram quase letais nas eleições parlamentares.
E qual é a lição para o Brasil? Sugiro reler a coluna trocando Trump por Bolsonaro. Biden, por Lula. Republicanos por bolsonaristas. Acho que funciona.