Em seu discurso de estreia na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, fez uma defesa apaixonada da cocaína. Segundo ele, alguns poderosos decidiram determinar que “a cocaína é o veneno e deve ser perseguida, mesmo que só cause mortes mínimas por overdose, e mais pelas misturas causadas por sua clandestinidade”. Para reforçar seu ponto de vista, Petro complementou dizendo que os mesmos poderosos que criminalizam a cocaína protegem o carvão e o petróleo, que são a verdadeira ameaça, pois “seu uso pode extinguir toda a humanidade”.
Petro afirmou que a tal “guerra às drogas” só gerou morte e devastação ambiental e que os recursos usados deveriam ser investidos na preservação da Amazônia. Sem nenhuma criatividade, ele sugeriu a velha receita de um fundo para preservar a floresta.
Na prática, Petro lançou a mais deslavada campanha global para legalizar a cocaína e, para isso, ele tenta colar a droga na temática ambiental. O narcoambientalismo. Aposto que não vai demorar para aparecer algum sábio dizendo que os impostos gerados pela venda legal do pó e do crack poderiam financiar a preservação da Amazônia.
O narcoambientalismo de Gustavo Petro pretende dar aos esforços pela legalização da cocaína ares de nobreza universal. Antes dele, o boliviano Evo Morales fez o trabalho de dar às folhas de coca um status de produto de consumo milenar, como valor cultural e histórico, que permitiu não só a expansão da produção como também criou um escudo antropológico para o seu cultivo.
Morales, que dava expediente como presidente da Bolívia, era e continua sendo o maior líder cocaleiro do país e jamais deixou de presidir as organizações que reúnem os cocaleiros que abastecem o narcotráfico. Seus esforços para “santificar” as folhas de coca foram fáceis. Com uma grande dose de exagero e manipulação histórica, ele convenceu meio mundo de que o consumo da folha era massivo desde tempos imemoriais, escondendo o fato de que a massificação da mastigação nada tem a ver com as culturas pré-colombianas, mas sim o resultado do vício estimulado pelos conquistadores espanhóis que usavam a droga (sim, a folha também vicia) como anabolizante para os indígenas escravizados.
O colombiano Gustavo Petro não tem um conto pré-colonial em seu favor, pois a coca não é endêmica na Colômbia. Inserida apenas na segunda metade do século passado, ela sempre serviu para um único fim: a produção de cocaína. Sem poder se apoiar no passado, ele usa a droga para prometer o futuro com a salvação da Amazônia e da humanidade.
O discurso narcoambientalista de Gustavo Petro tem grande chance de decolar, apesar de ele carregar em si uma contradição. O narcotráfico jamais respeitou a natureza. A tese de que a produção de drogas em ambiente controlado colocaria fim ao tráfico e ao modelo predatório de cultivo e refino só engana quem quer ser enganado.
Segundo os dados oficiais do governo colombiano, em 2021 as áreas com plantações de coca superavam os 2.340 quilômetros quadrados. Para se ter uma ideia do tamanho das plantações, elas cobririam uma vez e meia a área da cidade de São Paulo.
Para dar lugar aos arbustos, milhares de hectares da Floresta Amazônica desapareceram. Não existem estimativas confiáveis de quanto o tráfico danifica a vegetação na Colômbia e nos demais produtores, Peru e Bolívia. Não há interesse algum em medir desmatamento gerado para a produção de cocaína.
Além da destruição da vegetação, a produção de cocaína na Colômbia (e no Peru e Bolívia, também) produz um dano ambiental contínuo e negligenciado. Para cada quilo de cocaína refinada, são empregados cerca de 300 litros de gasolina, que, somados a outros precursores como ácido sulfúrico e cimento, formam a “piscina” de produtos químicos onde as folhas de coca são mergulhadas para extração dos alcaloides que dão origem à cocaína.
Para produzir as 972 toneladas que a Colômbia despejou no narcotráfico apenas em 2021, foram usados algo próximo de 291 milhões de litros de gasolina. Combustível que depois de usado como solvente é descartado no solo e nos rios amazônicos. Além do combustível em si, os metais pesados presentes nele, o descarte leva consigo resíduos da droga e de todos os outros químicos envolvidos no processo.
Para se ter uma dimensão do dano ambiental gerado pelo descarte dos químicos usados na produção de cocaína, o maior vazamento de óleo da história despejou no Golfo do México 4 milhões de barris de petróleo (ou 683 milhões de litros). As manchas negras eram visíveis e foram retiradas das águas e praias do Golfo do México ao longo de meses de trabalho.
A cada 28 meses, os traficantes despejam no solo e rios amazônicos o volume equivalente ao que é considerado “o maior acidente” ambiental do setor. Eles fazem isso há décadas e ninguém aparece para limpar. São anos e anos de envenenamento da fauna, das comunidades indígenas e ribeirinhas ao longo da bacia. A gravidade da poluição ganha tons superlativos ao se pensar que no caminho da poluição invisível do narcotráfico há cidades do porte de Manaus, a capital do Amazonas. Mesmo estando 2 mil quilômetros rio abaixo das áreas de produção de drogas, as águas dos rios Negro e Solimões carregam os contaminantes do tráfico.
Amostras coletadas na região da cidade brasileira revelam a presença da cocaína na água. E não se trata apenas dos metabólitos liberados pelos usuários e que, por meio do esgoto, empesteiam os igarapés e rios que passam pela cidade. Há traços de cocaína não metabolizada poluindo o maior rio do planeta.
O narcoambientalismo que Gustavo Petro planeja vender para o mundo certamente dirá que vem para corrigir isso. Cocaína limpinha produzida em laboratórios certificados e sem poluição ambiental. Uma “cocaína verde” que pode amainar o coração dos viciados engajados com a preservação do planeta, mas que jamais poderá fazer frente ao mercado ilegal, que pelas práticas produtivas predatórias manterá um preço absolutamente imbatível, tornando qualquer ideia de uma indústria de cocaína sustentável incapaz de competir com a droga produzida na floresta.
O mercado brasileiro de cigarros é o melhor parâmetro para entender o que seria, apenas no aspecto de mercado, o sonho de Petro e dos lobistas da droga. Nada menos de 50% dos cigarros vendidos no Brasil são falsificados ou fruto de contrabando. Por uma economia que às vezes é de apenas um real, o cigarro contrabandeado ganha a preferência do fumante. Imagine a vantagem competitiva da cocaína.
Mas como a cocaína não é cigarro, a comparação acaba aqui.
Por fim, engana-se quem pensa que todo o esforço pela liberação da produção, distribuição e venda de cocaína tem a paz como fim. A conversão do tráfico de drogas em arma é anterior à tal guerra que Petro diz que pretende terminar. E quem transformou a cocaína em arma é hoje quem quer vendê-la impunemente.
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