| Foto: Edmond Dantès/Pexels
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Em 2020, o ditador venezuelano Nicolás Maduro – um notório fraudador de eleições, acusado de tráfico de drogas e autor de crimes contra a humanidade – fez piada com o sistema de apuração do processo eleitoral nos Estados Unidos. Fingindo assombro, sem ser capaz de esconder a chacota, o venezuelano disse ser “surpreendente o processo eleitoral nos EUA. (Na Venezuela) na mesma noite se sabe o resultado. Não passam muitas horas ou dias. Não há especulações”. Maduro fez questão de ressaltar que “não há especulações”.

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No Brasil não faltaram comparações com o sistema nacional, 100% baseado em modelo eletrônico, capaz de entregar os resultados tão ou até mais rapidamente que o de Maduro. O orgulho brasileiro vai além. É bastante comum, também, festejar como se elege o vencedor: por maioria dos votos populares. Para muitos, os Estados Unidos são um “paiseco” atrasado no qual quem ganha não necessariamente sai vitorioso.

Essa é uma confusão recorrente porque, na prática, nos Estados Unidos o presidente não é escolhido em uma eleição nacional. Os fundadores deste país desenharam um modelo eleitoral, sendo seguido até hoje, em que cada um dos estados – atualmente são cinquenta – realiza uma eleição singular, conforme as regras eleitorais locais e os princípios de suas constituições estaduais. Além dos estados, a capital Washington D.C. também conduz o seu pleito próprio, conforme as suas próprias regras. Não é por acaso que os Estados Unidos da América têm como nome estados unidos. O federalismo por aqui é para valer.

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O que está acontecendo neste momento nos Estados Unidos, e terá o seu auge no dia 5 de novembro, é um conjunto de 51 eleições. Trata-se de uma série de processos eleitorais com regras singulares que somados elegem o presidente. Por exemplo, não existe um órgão central, como Tribunal Superior Eleitoral, do Brasil, ou Conselho Nacional Eleitoral, da Venezuela. Cada um dos cinquenta estados e a cidade de Washington, D.C. registra seus eleitores, conta seus votos e conduz o processo conforme as suas leis locais definem.

Outra confusão é sobre o peso eleitoral de cada Estado, medido segundo a sua demografia. A populosa Califórnia tem o peso de 54 delegados (pouco mais de 10% dos 538 existentes), enquanto os poucos povoados Alaska, Dakota do Norte, Dakota do Sul, Delaware, Vermont, Wyoming e Washington, D.C. juntos somam apenas 21 delegados.

Para ser eleito presidente, o candidato precisa conquistar 270 delegados em uma matemática que reúne estados tradicionalmente democratas, como a Califórnia; estados republicanos, como os do Meio Oeste e parte do Sul dos Estados Unidos; e os estados que pulam de galho em galho. Tão importante quanto conseguir muitos votos no cômputo nacional, é fundamental fazer campanhas estaduais. Vencer por estado faz toda a diferença. Por causa dessa peculiaridade, quem vence não é quem tem mais votos, mas quem conquista mais delegados.

Parece esquisito aos olhos dos brasileiros, venezuelanos, bolivianos e paraguaios, por exemplo, mas o modelo americano originalmente criava barreiras para emergência de líderes populistas. Barreiras que hoje não são tão eficientes, mas ainda funcionam

Mas nem tudo é perfeito, obviamente. A maior democracia do planeta tem outras peculiaridades com potencial risco de vulnerabilidade. O registro eleitoral pode ser feito de diversas maneiras e a apresentação do eleitor na hora de votar muda de estado para estado. O resultado dessa colcha de retalhos legal é o seguinte: em quinze Estados e na capital Washington, D.C. ninguém precisa apresentar qualquer tipo de documento de identificação na hora de votar. Por sinal, cobrar a identificação do eleitor é ilegal em alguns lugares. Nesses lugares, onde não há controle algum sobre quem efetivamente está votando, concentram nada menos que 43% da população americana.

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Em outros catorze estados, onde vivem 14% dos americanos, é necessário apenas um comprovante de endereço para ter acesso ao voto. Logo, pode-se dizer que 57% da população dos Estados Unidos vive em locais onde pode ir às urnas sem nenhuma necessidade de provar a identidade, a idade mínima de 18 anos ou muito menos se são cidadãos americanos, como prevê a constituição.

Isso sim é um caos. Mas quem reclama leva a pecha de racista, xenófobo, elitista, fascista e tudo mais que couber no léxico esquerdista para esculhambar quem cobra regras mais rígidas no processo.

Estados sob o comando dos republicanos, como Texas, Flórida e Virgínia, estão liderando um esforço para tirar da lista de eleitores imigrantes (ilegais ou não) que se inscreveram indevidamente para votar. Constitucionalmente, o direito de voto é exclusivo dos cidadãos. Mas estão sendo barrados na Justiça.

Como se vê, a fragilidade do sistema eleitoral americano não está na velocidade com que os votos são contados. Tampouco na organização em colégios eleitorais, delegados e pesos diferenciados pelos estados, segundo sua demografia. Tampouco as falhas estão nas cada vez mais raras urnas eletrônicas.

Baseado em um sistema de confiança anacrônico – segundo o qual o cidadão merece o crédito por estar dizendo a verdade – a maioria dos eleitores comparece às urnas sem provar quem são. Além disso, alguns estados nem sequer solicitam documentos para o registro eleitoral em seus sistemas on-line. Valendo apenas o alerta de que o requerente está ciente de que, se não for cidadão, está cometendo um crime federal.

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Trump viu isso muito tarde. Tentou ajustar as regras quando já era candidato à reeleição. Sou como uma tentativa de mudar as regras do jogo. Quatro anos se passaram e nada mudou. Novas eleições serão realizadas nos próximos dias e as fragilidades seguem iguais. 

Os críticos de Trump dizem que os problemas são pontuais e que não têm escala para impactar no resultado. Os apoiadores do ex-presidente e agora candidato pensam diferente. Veem como uma grande ameaça capaz de permitir que roube o resultado.

Independentemente de quem está certo, os Estados Unidos, como país e exemplo para o mundo democrático, estão negligenciando perigosamente uma questão que não faz sentido algum. Registrar bem seus eleitores, e cuidar para que o processo não só seja limpo e justo, mas que as pessoas acreditem que esse processo seja limpo e justo, é mandatório para a saúde da democracia em todo mundo.

Enquanto isso não é tratado com a seriedade necessária, as autocracias fazem a festa por meio da propaganda e da desinformação, que tem arrastado cada vez mais a confiança na Democracia para a vala comum onde regimes como China, Rússia e Irã são os maiorais.