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Leonardo Coutinho

Leonardo Coutinho

Brasil, América Latina, mundo (não necessariamente nesta ordem)

O Brasil e os novos modelos de guerra

Pessoas participam de uma passeata em favor do presidente Jair Bolsonaro e contra o lockdown, em meio ao surto da doença do coronavírus, em Brasília, em 14 de março de 2021. Imagem ilustrativa. (Foto: Sergio Lima / AFP)

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Passados dez anos de guerra civil na Síria, houve quem comparasse o número de mortes no conflito com o de vítimas da Covid-19 no Brasil. Em um primeiro momento, tal paralelo pode soar absurdo ou inadequado, mas definitivamente não é. Visto apenas pela sua superfície, seria uma guerra sectária que, em resumo, colocou de um lado o regime ditatorial de Bashar al-Assad, de outro os extremistas do Estado Islâmico, e de outro rebeldes. Todos lutando entre si. O saldo de mortes é próximo a 389 mil pessoas. No Brasil, o número de mortos pela Covid-19 já beira os 300 mil.

Ainda falando da guerra na Síria. Além dos atores locais, tiveram um papel importante a Turquia, o Irã e os seus milicianos do Hezbollah, os Estados Unidos e a Rússia. Nada muito diferente dos conflitos naquela região.

Uma das marcas desta guerra foi o deslocamento massivo de população. Uma multidão de 5,6 milhões de refugiados foi espalhada pelo mundo. Parte importante foi alojada na Europa, gerando crises internas e redesenhando não só a relação dos países europeus com as vítimas dos conflitos, mas a própria demografia europeia.

Não quer dizer que tais fluxos não ocorreram antes. As ondas migratórias geradas pela Síria e as instabilidades no Norte da África movimentaram multidões que, diferentemente do passado, parecem não estarem dispostas à assimilação com a sociedades e culturas que as acolhem. Há um problema intrínseco que não tem relação alguma com islamofobia ou qualquer coisa que possa ser considerada preconceito.

Ao replicar a leitura estrita da religião, que inevitavelmente conduz ao radicalismo, e não aceitarem os valores ocidentais de democracia e respeito aos direitos humanos, por exemplo, os refugiados carregam consigo não só os traumas da guerra. Emulam o ambiente de intolerância, conflito e violência de seus países.

E a grande novidade da Guerra Civil da Síria pode ser isto. A exportação do ambiente que deu origem a guerra para além de suas fronteiras. Para a terra dos infiéis, como os extremistas tanto fazem questão de demarcar.

Não há aqui nenhum elemento de intolerância para com quem foi capaz de fugir da barbárie. Mas tolerância não é sinônimo de permissividade (ou pelo menos não deveria). O Ocidente é o paraíso da diversidade. Esta nossa virtude é intragável para os radicais. Eles lutaram contra isso. Mas para vencer usarão o nosso valor como arma, para depois descartá-lo. Pelo menos é o que evidentemente passa pela cabeça de quem pensa que não há no mundo espaço para quem não seja fiel ao que eles pensam que é a única religião.

Pode parecer exagerado. Mas a guerra civil na Síria alcançou a Europa, o território inimigo que virou um campo de combate onde quase ninguém se deu conta do que estava se passando.

Um novo modelo de guerra

O ano de 2019 começou sob a névoa da incerteza. Muita gente dava como certa uma guerra na Venezuela. Sob a batuta do americano Donald Trump, Brasil e Colômbia se uniriam para apear Nicolás Maduro e suas máfias do poder. Pelo menos, esta era a miragem que a oposição venezuelana tinha diante dos olhos.

Parecia simples. Mas faltava a compreensão de que a Venezuela já estava em guerra. Um novo modelo de guerra que envolvia os mesmos atores vistos na Síria. Com a diferença de que no país sul-americano, a batalha se dava em nível absolutamente sofisticado. Se derramasse o caldo como queriam os opositores poderia replicar os horrores da Síria, afundando Brasil e Colômbia em problemas e consolidando a permanência militar de Rússia e Irã na região. Aconteceu o que aconteceu, e a Venezuela seguiu igualmente exportando problemas, mas em baixa e constante intensidade. Centro de operação logística de tráfico de drogas, de lavagem de dinheiro, terrorismo e foco de crise humanitária.

Um cenário que prosperou porque quem pensou em lutar a batalha contra a Venezuela pensou quase sempre de maneira convencional. Talvez entendendo que a Venezuela em si não era o inimigo, apenas o cenário da guerra. Para salvar a Venezuela, os Estados Unidos, a União Europeia e os países do Grupo de Lima, entre os quais está o Brasil, deveria ter estancado as fontes de financiamento. As artérias que movem os interesses financeiros estratégicos de quem mantêm Nicolás Maduro e a Venezuela na situação que conhecemos. A guerra era contra Rússia, Turquia, Irã e a China, que no caso venezuelano se somam trazendo um elemento a mais de complexidade.

E o conceito de guerra, aqui aplicado, não é sinônimo de mísseis, soldados e mortes. Sanções financeiras, embargos, diplomacia lá na outra ponta. Na origem do dinheiro e do suporte para as barbaridades que são cometidas por Maduro e seu regime.

A guerra do Brasil

Chegou a vez de o Brasil entender que também está em guerra. A Covid -19 não é a arma, mas o cenário. O campo de batalha de uma novíssima geração de guerra que não pode ser explicada ou entendida apenas com a vulgarização do termo assimétrico.

As assimetrias que emergem da guerra brasileira ensinam que quando Estados atuam como organizações paraestatais, a combinação das ferramentas produz um poderoso elemento de desestabilização.

Desde a primeira semana de fevereiro, quando a média móvel de mortes por Covid-19 no Brasil superou a 1.000 mortos, ela não parou de subir. Já passou a média de 2.000 óbitos diários e, tudo indica, alcançará os 3.000, em uma curva ascendente que não deverá baixar pelo menos até abril (ou final de).

De um lado a turma que grita Bolsonaro genocida acredita que tudo seria diferente ou melhor se o presidente não estivesse por lá. Há quem pense que se Haddad ou Lula estivessem no poder a pandemia já teria sido domada no Brasil e o país estaria navegando em águas calmas. Coisa que nenhum lugar do mundo conseguiu fazer.

Diametralmente, a base bolsonarista se asfixia. Nega-se dar um passo atrás para ajustar a rota. Entender que erros são naturalmente comuns e aceitáveis em um processo tão dinâmico, inédito e nebuloso como o da pandemia. Nos Estados Unidos, quando Trump percebeu isso e tentou voltar atrás o fez tarde e de forma malfeita. Deu no que deu.

Enquanto existe o debate bizarro sobre o uso de máscara, a ignorância intencional em tratar o tratamento precoce como se fosse sinônimo de preventivo, e os dois lados da contenda esticam a corda, mercenários entram em campo para tirar vantagem a seus clientes. A lista vai desde as malandragens que levaram à anulação das condenações de Lula, a implosão da Lava-Jato até as cartinhas de amor que as autoridades brasileiras se prestam a publicar em favor dos interesses chineses.

A Rússia, a mesma Rússia que atua na guerra da Síria e no conflito Venezuelano, emplaca a sua vacina e pavimenta os seus interesses na região, enquanto espalha pelo mundo o vírus da mentira em campanhas de desinformação contra imunizantes concorrentes.

A China, a mesma China que mantém Nicolás Maduro de pé, opera por meio de sua embaixada em Brasília, um verdadeiro moedor de carnes. Transformaram a própria capacidade de entregar as vacinas e insumos em trunfo. Colocaram a culpa no Governo brasileiro e no Itamaraty. O Brasil virou refém. Foi neste contexto que Pequim conseguiu manter a Huawei no páreo para o 5G no Brasil.

Mas cadê as vacinas?

Elas não vieram porque não existem em quantidade esperada. E não chegaram porque Pequim sabe que se pressionar leva mais. Leva o que quiser. Na fila tem a liberação da compra de terras para estrangeiros e a implosão do governo inteiro.

São as novas modalidades de guerra. E pensando honestamente sob esta ótica, o Brasil é sim a nova Síria. Povo polarizado e morrendo. Potências estrangeiras tirando vantagem do caos. Os escombros já são visíveis. Mas como não são resultados de bombas, não faz lembrar que são sim resultados de uma guerra.

Nesta semana, o gabinete do Diretor de Inteligência Nacional dos Estados Unidos divulgou um relatório que diz que assim como em 2016, o governo russo interferiu na eleição do ano passado atacando a reputação do então candidato Joe Biden com o objetivo de ajudar Donald Trump. Segundo o documento, a Rússia teria coordenado uma campanha de desinformação massiva bem-sucedida que contou com o engajamento dos apoiadores de Trump.

O mesmo relatório, indica que o Irã atuou no outro lado. “Minando as expectativas de reeleição de Trump” usando e desinformação para aumentar as divisões internas. Venezuela, Cuba e o Hezbollah também aparecem no documento com tentativas menos eficientes de manipulação.

Não por acaso os mesmíssimos atores que estão metidos nas Guerra Civil da Síria e no conflito Venezuelano, perceberam?

A China também aparece no informe. Diante da divisão de opiniões dentro da comunidade de inteligência dos Estados Unidos chegou-se à conclusão de que a China considerou, mas não moveu esforços de interferência por puro pragmatismo. Não viam vantagem alguma em quem ganhasse a eleição.

Mas parece haver um erro de premissa na avaliação. Erro que se repete desde 2016, quando os Estados Unidos pararam diante da tal intervenção russa nas eleições. E a resposta está no modus operandi chinês. Não importa quem ganha ou quem perde. O objetivo é a implosão da confiança nas instituições e no modelo eleitoral. Não interessa quem é o presidente hoje ou qual será daqui um ano ou quatro, como muito gentilmente alertou um porta-voz da China no meio acadêmico brasileiro.

Rússia, Irã-Hezbollah, China e os soldadinhos de Cuba e Venezuela não estão jogando em lados diferentes. Tampouco tiveram opções eleitorais, como o relatório sugere e o noticiário reverbera. Todos atuam juntos. A eles pouco importa quem ganharia ou ganhou a eleição. O objetivo comum é a destruição institucional.

Depois do sucesso nos Estados Unidos, suspeito que o Brasil se tornou a mais importante frente de batalha.

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