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Leonardo Coutinho

Leonardo Coutinho

Brasil, América Latina, mundo (não necessariamente nesta ordem)

Coronavírus

O dever e o direito de saber como a pandemia começou

(Foto: Pixabay)

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A explicação original para o início da pandemia de Covid-19 está na ponta da língua de todo mundo. Um vírus originário de morcegos rompeu a barreira entre espécies ou porque alguém havia comido um desses mamíferos alados que estava contaminado, ou porque o vírus havia chegado aos seres humanos por um intermediário – provavelmente um dos vários animais silvestres que são vendidos como alimento em mercados tradicionais como o de Wuhan – onde o primeiro caso da doença foi oficialmente identificado.

Mais de um ano depois e com um rastro de quase 3,3 milhões de mortos no mundo, a origem do vírus SARS-CoV-2 ainda é uma incógnita. É um tabu.

No início do ano, uma comissão de cientistas, sob o guarda-chuva da Organização Mundial da Saúde passou um mês na China em busca de respostas. A única coisa que encontraram, como era de se esperar, um governo pouco colaborativo e muita opacidade nas informações. O relatório mostra que pouco ou absolutamente nada foi descoberto sobre a origem do vírus. Reforça a história original que o SARS-CoV-2 encontrou uma ponte entre espécies, mas não faz a menor ideia de que ponte foi esta.

Os cientistas reviraram 80.000 amostras de animais selvagens que foram capturados em todas as províncias do país na tentativa de encontrar apenas um que tivesse o mesmíssimo vírus que infectou o mundo. O resultado: nenhum deu positivo. Não estavam infectados ou tinham os anticorpos. A afirmação está contida no relatório da OMS para quem quiser verificar.

O mesmíssimo relatório é categórico em afirmar que o SARS-CoV-2 já circulava por Wuhan pelo menos um mês antes. Ou seja, a história do mercado de carnes de animais silvestres foi uma perda de tempo enorme. Depois que o mercado foi fechado, quase mil amostras de carcaças de animais vendidos ali foram analisadas em busca de evidências do vírus. Nenhuma delas deu positivo.

Se até agora não há um fiapo de pista do vírus na natureza, qual é a razão para tanta celeuma quando a hipótese de que a epidemia possa sim ser resultado de um “vazamento” de um laboratório é colocada em questão? O relatório da OMS descartou a hipótese. Mas como pode ter descartado sem nem mesmo ter investigado a possibilidade? Não se faz ciência assim.

Um grupo de 26 cientistas divulgou no fim de abril uma carta na qual eles reivindicam uma investigação científica e forense completa sobre todas as origens possíveis do vírus. O documento absolutamente negligenciado no debate sobre a necessidade de conhecer a verdade. Aqui abro um parêntesis. Não se trata apenas de responsabilizar e punir (caso tenham ocorrido falhas), mas de prevenção. A humanidade está diante de uma tragédia e para não melindrar os chineses vamos fazer de conta que nada de errado pode ter acontecido nas instalações do Instituto de Virologia de Wuhan (IVW).

Um dos pontos da carta faz referência ao IVW. Os cientistas perguntam como a hipótese do vazamento do vírus é refutada se não foi investigada, embora seja conhecido que a instituição de pesquisa estava realizando experimentos potencialmente perigosos com coronavírus de morcegos. Justamente aquele que geneticamente é o mais parecido com o que se transformou na peste de Covid-19.

Os cientistas chineses estavam explorando o chamado “ganho de função” ao vírus original. Entre as novas habilidades estava a de poder infectar os pulmões de ratos geneticamente modificados para reproduzir as mesmas características das células respiratórias humanas.

Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro causou furor ao dizer que o SARS-CoV-2 é um vírus novo e que, portanto, "ninguém sabe se nasceu em um laboratório, ou se nasceu por algum ser humano que ingeriu algum animal inadequado".

Alguém é capaz de provar, valendo-se de todas as informações disponíveis até o presente momento que a frase acima, dita pelo presidente tem alguma imprecisão? Não se trata de gostar ou não do que Bolsonaro diz ou da forma como ele fala. Mas o que ele disse não está errado não. Não custa relembrar, mas até hoje não existem respostas para o início da pandemia.

A busca incansável pela origem do SARS-CoV-2 – goste ou não a China dos resultados – deve ser algo perseguido não só por cientistas, governos e imprensa. É dever e direito da humanidade.

A despeito da insatisfação dos xerimbabos de Pequim com os fatos. O presidente Bolsonaro erra a mão. Depois de uma afirmação 100% amparada nos fatos, ele coloca aquela pitada a mais que deixa o assunto salgado. Segundo ele, “os militares sabem o que é guerra química, bacteriológica e radiológica. Será que não estamos enfrentando uma nova guerra”.

Suspeitar que o vírus vazou de um laboratório chinês não é nenhum absurdo. Tampouco é leviano considerar que o regime negligenciou o alerta, tratando-se de uma ditadura habitualmente opaca no trato das informações e que, até hoje, atrapalha as investigações sobre o início do da pandemia. Mas supor que foi um ataque premeditado pode ser aquele passo além que muitas vezes o governo brasileiro parece não ter entendido que só dá munição para o inimigo.

E por que inimigo? Em resposta ao presidente, estamos sim enfrentando uma “nova guerra” (assunto já tratado por esta coluna em duas oportunidades). Mas não é mais o tipo de guerra tão bem estudada e ensinada por Carl von Clausewitz.

O conceito evoluiu de tal maneira que muitas vezes a batalha se dá de maneira tão sutil que nem mesmo nos damos conta que ela está ocorrendo. E o que hoje se torna mais claro sobre as vulnerabilidades do Brasil em defender os seus interesses é resultado de um processo de corrosão calculado, em que cada passo é dado segundo um pensamento estratégico que não se baseia nos modos convencionais de guerra.

E se engana quem pensa que a China se melindra de fato. Quem observa minimamente o rolo compressor que o Partido Comunista Chinês pilota no Brasil, vê que cada oportunidade de se vitimizar é momento de avançar uma casa no tabuleiro.

Para reforçar o papel de vítimas, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China disse que o “vírus é o inimigo comum da Humanidade. A tarefa urgente de agora é todos os países se juntarem em uma cooperação antiepidemia e em um esforço para uma vitória antecipada e completa sobre a pandemia. Nós nos opomos firmemente a qualquer tentativa de politizar e estigmatizar o vírus.”

A frase reproduzida acima está publicada em vários jornais do Brasil, mas o link que deixarei aqui é propositalmente do jornal O Globo, o maior do Brasil. A razão é muito simples. Em junho do ano passado Li Yang, o cônsul-geral da China no Rio de Janeiro, usou o mesmo jornal para dizer que a Covid-19 foi criada nos Estados Unidos, mais especificamente em um laboratório do Exército localizado a uma hora de distância da Casa Branca.

O artigo de Li, publicado pelo jornal carioca, é a mais pura peça de propaganda e desinformação. Trata de um fechamento do laboratório militar entre julho 2019 e março de 2020, como sendo resultado de “um vazamento” de um vírus letal que provocou uma explosão de casos de “pneumonia desconhecida”. Ninguém soube disso porque o governo Trump havia “censurado a imprensa”. O diplomata chinês anda tão à vontade no Brasil que já acha que o mundo inteiro é uma grande China. E pelo jeito que as coisas vão indo...

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