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Em fevereiro de 2021, esta coluna publicou um texto que começava assim: “Em abril de 1986, a explosão de um reator nuclear em Chernobyl, na Ucrânia, deu origem a uma nuvem radioativa que se estendeu por milhares de quilômetros, enquanto o Partido Comunista da então União Soviética mantinha o mais absoluto silêncio sobre a tragédia. Ao mesmo tempo, milhões de ucranianos e cidadãos de outras repúblicas soviéticas estavam expostos à radiação e o presidente Mikhail Gorbachev trabalhava para jogar a sujeira sob o tapete. Esconder e controlar ao máximo as informações para poder moldar a versão dos fatos conforme os interesses do regime. Somente depois que a Suécia, a mais de 1,4 mil quilômetros de distância, detectou em seu território uma fonte de radiação de fonte desconhecida, o Ocidente passou a desconfiar do óbvio. Havia se passado algo na URSS e o Kremlin estava escondendo do mundo. Somente depois de 18 dias, Moscou falou pela primeira vez sobre o acidente que naquela altura já era a maior tragédia nuclear de todos os tempos”.
Dois anos atrás, a coluna tratou das semelhanças entre a tragédia ucraniana na era soviética e a pandemia de Covid-19. Naquela semana, o chefe da missão da Organização Mundial da Saúde, que tentou encontrar respostas para origem da Covid-19, revelou que foram encontradas evidências consistentes de que o vírus já circulava na China muito antes de dezembro de 2019, quando o Partido Comunista chinês permitiu tornar públicos os primeiros casos. Havia registros de outubro de 2019 que provaram que pacientes foram internados na China com sintomas idênticos aos da Covid-19. Além de zero evidências de que o vírus havia saltado de um animal para um humano em um dos mercados locais.
Nesta semana, o senador americano Roger Marshall, do Partido Republicano, liberou um relatório da Subcomissão de Saúde do Senado dos Estados Unidos que acrescenta novas peças ao quebra-cabeças que aponta para o que já soa meio óbvio. O vírus causador da Covid-19 estava entre nós há mais tempo que o regime comandado por Xi Jinping diz para o mundo e a teoria de que ele não tenha origem natural, mas sim tenha vazado acidentalmente de um laboratório, é cada vez mais consistente.
Além de informações novas, frutos de dois anos de investigação, o documento compila informações antes esparsas e as organiza, permitindo que fatos esquecidos ou às vezes desconexos se encaixem com precisão no quebra-cabeças que é a busca pela verdade sobre a origem da pandemia.
Chama a atenção que em fevereiro de 2020, quando o mundo ainda tratava a Covid-19 como mais um surto que ficaria restrito a China, ou a tal “gripezinha”, um professor da Academia Militar de Ciências Médicas já tinha desenvolvido uma vacina contra a Covid-19. Não seria necessário gastar uma linha sequer para explicar que uma vacina não surge da noite para o dia. Todos se lembram que as primeiras doses de vacinas só começaram a ser aplicadas no Ocidente em dezembro de 2020. Um ano depois que a China tornou pública a informação da existência do vírus.
Muito antes, em setembro de 2019, os chineses já faziam exercícios em Wuhan para identificar e conter um passageiro contaminado por “uma nova cepa de coronavírus”. Oficialmente, era uma simulação. Mas o timing é tão sombrio que não pode ser tratado como coincidência. E não foi. Os exercícios se deram depois que os casos já estavam pipocando, como a OMS identificou em sua missão de investigação.
O relatório trata da precariedade da infraestrutura dos laboratórios e dos acidentes comprovados em suas instalações. Dois deles em 2019, quando a Covid-19 surgiu. Os acidentes são apontados no relatório como vazamento de material genético com pouca diferença em relação à primeira cepa conhecida do vírus.
Em outubro de 2019, Wuhan foi a sede dos Jogos Mundiais Militares, com a participação de mais de 9 mil representantes das forças armadas de diversos países, inclusive do Brasil. Muitos deles adoeceram em Wuhan ou quando voltaram para suas casas. A lista de delegações que tiveram militares que apresentaram sintomas compatíveis com a Covid-19 inclui as da França, Itália, Alemanha, Luxemburgo e Canadá.
Entre as coisas mais grotescas está a revelação de que funcionários, inclusive aqueles que se identificam como cientistas, desviavam animais do biotério do Instituto de Virologia de Wuhan para vendê-los nas feiras livres, aonde a população recorre tradicionalmente para comprar bichos abatidos na hora.
Alguns desses animais contrabandeados das instalações científicas eram cobaias usadas em pesquisas e que em tese deveriam ter sido sacrificadas. Mas por uma combinação de precariedade e banditismo, as cobaias viraram almoço.
Em março de 2020, logo no início da pandemia de Covid-19, o deputado federal Eduardo Bolsonaro fez uma comparação da Wuhan com Chernobyl. O então embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, colocou em prática a mais feroz diplomacia do lobo guerreiro. Partiu para cima do deputado assim como os tanques chineses fizeram sobre os manifestantes da Praça da Paz Celestial, em 1989.
Yang soube se aproveitar do clima de desespero existencial que envolvia os brasileiros e a polarização em torno do presidente Jair Bolsonaro para conquistar o apoio quase unânime da imprensa e do Congresso para, livremente, rasgar as regras da diplomacia e fazer o que bem entendesse no Brasil.
Xingou o presidente, fez piada com seus familiares, pediu e levou a cabeça do ministro das Relações Exteriores, fez chantagem para entregar insumos para as vacinas que seriam produzidas na Fundação Oswaldo Cruz. A lista de desmandos vai muito além, mas o resumo mostra como a China queria controlar completamente a história.
A verdade sobre essa pandemia que já matou cerca de 7 milhões de pessoas e infectou quase 700 milhões talvez jamais seja conhecida completamente. Mas os fragmentos de verdade estão cada vez mais evidentes, maiores e conectados. Já temos em mãos muito sobre a tragédia que foi a pandemia. Só precisamos estar dispostos a ver, aceitar e a reivindicar mudanças.