Dilma Rousseff, presidente do banco dos Brics, em encontro esta semana com Vladimir Putin, em São Petersburgo: amizade com o PT| Foto: EFE/EPA/ALEXEY DANICHEV/SPUTNIK/KREMLIN
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Os espiões estão por todos os lados. Parece papo da Guerra Fria, mas não. A vida é assim. No ano passado, o Brasil recebeu um de bandeja. Trata-se do russo Sergey Cherkasov, que havia tentado se infiltrar no Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, se valendo de uma identidade brasileira que ele criou e cultivou por anos a fio.

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Cherkasov tinha como missão ingressar na instituição que investiga os crimes de guerra de seu chefão, Vladimir Putin, para roubar informações e possivelmente atrapalhar o processo. O agente da inteligência militar russa, a GRU, foi flagrado pelos holandeses e deportado para o Brasil, de onde ele havia embarcado rumo à missão fracassada.

Apesar dos pesares, Cherkasov pode se considerar um sujeito de sorte. O Ministério da Justiça e a Justiça Federal deram a ele dois presentões. A pasta sob o comando do maranhense Flávio Dino negou um pedido de extradição apresentado pelos Estados Unidos, que também processou Cherkasov por uso de documentos falsos – ele viveu por alguns anos em Washington, D.C., frequentou uma das mais reputadas universidades da cidade, tentou emprego em órgãos públicos e conviveu de perto com muita gente com posições dentro do governo americano e também do governo brasileiro.

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Como se não bastasse o mimo de Dino, a Justiça Federal em Guarulhos – onde foi condenado a 15 anos de prisão por uso de documentos falsos – concedeu-lhe uma redução de pena e, vejam só, o direito de cumpri-la em regime semiaberto. Ligando aqui a tecla SAP das duas medidas, pode-se dizer: para não aperrear o companheiro Putin, o governo Lula encontrou uma saída para proteger o espião russo e de tabela dar uma estocada nos Estados Unidos. A decisão proferida pela Justiça Federal é a cereja do bolo. Quem acredita que assim que Cherkasov colocar os pés nas ruas, ele não vai se mandar?

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro Dino protegem Cherkasov como parte do mesmo combo que inclui, não necessariamente nesta ordem: 1) antiamericanismo atávico da esquerda latino-americana, do PT e de Lula; 2) vendetta: Lula crê piamente que sua prisão tem as digitais dos Estados Unidos; 3) Dilma no banco dos Brics, como uma espécie de operadora do redesenho de um novo sistema monetário; 4) adesão incondicional ao projeto expansionista de Putin; 5) delírios Sul-Sul que colocam o Brasil em uma posição de insurgência diante do Ocidente e com uma postura de subserviência travestida de altivez em relação ao eixo sino-russo; 6) comportamento bovino, que empurra o Brasil para a condição de satélite dos projetos chineses (o que inclui a Rússia como parte do mesmo jogo).

Quando Cherkasov se mandar, Lula e Dino poderão colocar a culpa na Justiça. Funciona para a claque. Para boa parte da imprensa. Mas não engana mais ninguém além desse pessoal. Lula, que teve sua reputação lavada depois de ter sido içado do lamaçal de corrupção que o mancharia para sempre, passou a ser vendido como um democrata irredutível, que não só salvaria a democracia no Brasil, mas se uniria ao time daqueles que a defendem globalmente. Lula decepcionou.

Líderes ocidentais foram feitos de idiotas e se fizeram de idiotas em quase 100% dos casos como resultado de um cálculo de que Lula, mesmo sendo Lula, seria melhor que Bolsonaro. O que Lula não entende é que a simpatia por ele não era amor, mas rejeição ao seu oponente. E que ele era um xarope, com gosto muito amargo, que muita gente estava disposta a engolir para se livrar de Bolsonaro. A eleição acabou, Lula venceu, mas ele acha que seu capital político é infinito e que, portanto, ele tem o aval para fazer toda ordem de estripulias impunemente. Afinal, ele salvou a democracia e está doidinho para salvar o mundo. Está com crédito.

O mais impressionante no caso de Cherkasov é que Lula está seguindo com primor o script que fora inicialmente redigido pelo governo de seu antagonista, Jair Bolsonaro.

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Quando Cherkasov foi preso pela Polícia Federal no ano passado, o então presidente Jair Bolsonaro estava na fase mais intensa de affair pelo “conservador Vladimir Putin”. Logo que bateu no Planalto a notícia de que um espião russo havia sido detido, alguns dos assessores mais próximos do presidente, apoiados pela célebre inteligência produzida pela Abin, resolveram desfiar o rosário de que tudo não passava de uma armação da CIA. Um plano desenhado em Washington para minar as relações de Bolsonaro e seu novo melhor amigo estrangeiro, desde que Donald Trump deixou o poder.

A ordem foi abafar. Tentar levar a história na manha e administrar o problema como um caso de falsificação de documentos. Moscou não se deu por satisfeita e pediu a extradição de Cherkasov. Disse que ele era um criminoso comum. Um traficante de drogas que deveria ser devolvido para responder por seus crimes.

A estratégia para resgatar o seu espião não era nada criativa, mas era potencialmente eficiente. Havia muitas chances de funcionar, pois, afinal, o acusado não contestava a versão. Pedia para o pedido dos russos ser atendido. Ele queria ser julgado e condenado e, de bom grado, encarar até 20 anos de prisão.

“Eu gostaria de reiterar que eu quero ser extraditado para a Rússia, eu concordo com as acusações que a Rússia fez e pretendo responder aos fatos e meus crimes que são alegados pela Rússia no meu Estado o mais rápido possível”, disse Cherkasov ao juiz do caso.

Uma série de outros espiões russos com papéis brasileiros passou a ser descoberta mundo afora depois do caso de Cherkasov. Também há falsos argentinos já identificados, como certamente haverá de várias outras nacionalidades. O Brasil reuniu as provas que demonstram que Cherkasov estava engajado em ações de espionagem no Brasil, mas preferiu fazer de conta que não aconteceu nada. Para que melindrar o companheiro Vladimir?

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Os próximos passos de Cherkasov serão em direção a Moscou. Ele vai voltar para casa. Será devolvido para a Rússia, com amor.