No sábado 14 de março, enquanto eu aproveitava a tarde de primavera do pátio de minha casa, um vizinho me chamou a atenção. Entre idas e vindas ao estacionamento, ele levou para dentro de sua residência incríveis oito fardos de papel higiênico. Nada mais nada menos que 240 rolos. Um exagero que imediatamente me fez puxar o celular do bolso e fazer um tweet um tanto quanto maldoso.
No dia anterior, eu havia publicado neste espaço uma coluna sobre a tragédia que o coronavírus vinha provocando na Itália. Mesmo assim, eu ainda percebia a recém-declarada pandemia como algo distante dos Estados Unidos, apesar de naquele momento já terem sido confirmados 2.270 casos e 57 mortes em solo americano.
O que acontecia na América, naquele momento, não parecia em nada com o que estava acontecendo na Europa. Para completar, o arrefecimento da epidemia em seu nascedouro, a China, era alentador. Os chineses passaram a comunicar diariamente números de mortes cada vez menores. Naqueles dias em que eu achava o comportamento do meu vizinho exagerado, eles estavam em torno de uma dezena.
Os sinais que vinham da China eram alvissareiros. Apesar de seus 3.200 mortos naquele momento – 55% de todos os óbitos registrados até então no mundo – o coronavírus podia ser controlado.
Mas se tudo parecia ir tão bem na China e consequentemente também no mundo também iria, por que o meu vizinho chinês fez um estoque de papel higiênico tão grande?
Naquela tarde, eu vi tudo aquilo como paranoia de zelo ou até mesmo egoísmo, já que o produto começara a faltar nas prateleiras dos supermercados e diversas pessoas ficaram de mãos vazias. Mas o que realmente acontecia era mais complexo. E recentemente eu me dei conta.
O comportamento do meu vizinho chinês tinha outro significado. Ele conhece o seu país. Ele mantém suas redes de contatos na China que proveem um nível de informação de base sem os filtros do regime comunista chinês e sua imprensa 100% estatal. Ou seja, provavelmente seus parentes e amigos em solo chinês lhe dão uma visão privilegiada. Algo mais próximo da realidade que a ficção contada ao mundo pelo Partido Comunista Chinês.
Xi Jinping mentiu para o Ocidente sobre a origem da doença, sua expansão e os números reais de infecção e mortes. Mas quem está lá na ponta tem as chances de ver o mundo como ele é. Seguramente meu vizinho chinês sabia muito bem o que estava por vir.
Evidentemente, ele não tinha o quadro perfeito diante de si. Mas tinha uma informação preciosa que, materializada em papel higiênico, passou diante dos meus olhos. O que aconteceu em seu país e já ganhava corpo em todo mundo era algo que demandava muita preparação.
Eu errei feio em não ler adequadamente o movimento do meu vizinho chinês. Acredito que as democracias ocidentais cometeram a mesma falha, amplificada em escala. O Ocidente ainda não presta a atenção de forma adequada e sistemática no que faz a China e como a China se comporta.
Na Ásia, países como Singapura, Coreia do Sul e Japão estão graduados em lidar com as doenças que emergem do vizinho, com as trapaças e as ambições de Pequim. Não por acaso estes países estão entre aqueles que até o momento estão menos afetados pela Covid-19, apesar de estarem no entorno da China.
Sob ameaça constante, essas nações não baixam a guarda e não embarcam em informações secundárias provenientes do noticiário ou de organismos multilaterais, quando o assunto é China. Os mecanismos de autoproteção são quase que automaticamente acionados em relação ao vizinho.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) tornou a leitura dos eventos na China ainda mais nebulosa ao validar as falsidades chinesas. Quando o presidente Donald Trump declarou que os Estados Unidos deverão cobrar a conta da OMS pela cumplicidade com Pequim, ele está dando um pontapé inicial em um jogo que deveria ser jogado em nome dos valores ocidentais. Sendo os principais a liberdade e a Democracia.
Mas a malandragem chinesa e a cumplicidade da OMS não podem servir para espiar a negligência. Referindo-me apenas aos Estados Unidos, a improvidência diante da emergência do coronavírus entrará para história das falhas da inteligência americana, assim como Pearl Harbour (1941) e os atentados de 11 de setembro de 2001.
Hoje, os serviços de inteligência dos Estados Unidos e de diversos países do mundo correm para tentar uma recontagem dos mortos na China. Um esforço interessante, mas tardio. Espero que depois de contabilizar o tamanho da mentira chinesa, eles possam entender que o número é proporcional à negligência.
O fato de eu subestimar o meu vizinho chinês é uma coisa. O mundo embarcar no conto da China é outra bem diferente. Aposto que os vizinhos da China, que não são bobos como eu, entenderam muito bem o que se passava por lá. Taiwan, que vive à margem de organizações como a OMS, por força do lobby chinês, avisou com antecedência o tamanho do problema. Fechou as fronteiras antes que todo o mundo. Sabia desde o momento zero com quem lidava. Mas quase ninguém prestou atenção.
Quando as coisas esquentarem, nunca mais deixarei de prestar atenção nos sinais do meu vizinho.