O Minotauro era uma criatura insaciável que vivia em um labirinto. Segundo a tradição, o monstro, meio homem, meio touro, devorava quem quer que se aventurasse a entrar em seus domínios – uma prisão armadilha erguida para manter o bicho preso ao mesmo tempo que garantia que desavisados ou condenados jamais se livrassem da intrincada rede de corredores e passagens que além de confundir conduziam os incautos a um destino inexorável.
O ateniense Teseu abraçou a missão de dar um fim no Minotauro, com o nobre objetivo de impedir que seus conterrâneos fossem entregues como despojos de guerra para saciar a fome da criatura. Teseu teria um encontro certeiro com a morte se não fosse o amor à primeira vista de Ariadne, a filha do rei Minos, que era quem dava as ordens por lá. Além de uma espada, a jovem deu à Teseu um novelo de lã. Algo tremendamente simples que se revelaria a mais importante arma para salvar a vida de seu amado. Teseu aniquilou a besta feroz e venceu o labirinto intransponível, pois Ariadne o orientou a demarcar o caminho de volta com o fio daquele novelo. Teseu foi salvo pela combinação de inteligência e amor.
Brasília é um labirinto. Com direito a centrão e Minotauro. De tempos em tempos aparece um Teseu querendo encarar a fera. Mas não existe amor em BSB.
Nunca, mas nunca, apareceu uma Ariadne para ajudar quem quer que seja a se livrar do labirinto brasileiro. Sem um novelo, encarar o Minotauro e depois encontrar a saída é uma tarefa quase impossível.
Quem não se lembra de quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito? De espada na mão, ele prometeu decapitar a fera. Mas o que conseguiu? Inventou o mensalão, a roubalheira por meio das empreiteiras brasileiras e seus comparsas bolivarianos, elegeu Dilma Rousseff e nunca mais deixou o labirinto. Não foi comido pelo Minotauro nem o matou. Lula amasiou-se com a fera. Não por amor, mas por inteligência.
Jair Bolsonaro se apresentou para ser o Teseu da vez. Foi eleito por um povo largado à própria sorte no mesmo labirinto. Mas não existe amor em BSB. Logo, não há uma Ariadne que entregue um novelo que indique o caminho. Sem Ariadne também faltaram a inteligência e a estratégia. Elementos sem os quais, coragem e força bruta são inócuos contra o Minotauro.
O governo Bolsonaro parece ter entendido que não tem os instrumentos necessários para vencer o Minotauro, vai sobrevivendo em uma espécie de pique-esconde com a besta. Buscou abrigo no centrão – acreditando ser o lugar onde encontraria força e proteção. Mas acabou acuado na parte do labirinto que a criatura mais se sente mais à vontade e sempre pode estar à espreita.
As eleições de 2022 já começaram. E nada acontece dentro e fora do labirinto sem que se mire o horizonte eleitoral. Na realidade, as eleições começaram no momento zero, quando o TSE confirmou a vitória de Bolsonaro em outubro de 2018. Seja por parte do próprio presidente, seja por parte da oposição. Desde então, nem um dia se passou sem que o governo se movesse em modo de sobrevivência e a oposição e seus aliados extrapartidários em um esforço contínuo de destruição.
Nesta semana, Jair Bolsonaro sofreu uma derrota. Ele apostou todas as suas fichas na reforma do processo eleitoral que foi rejeitado pelos deputados. Mas Bolsonaro perdeu sozinho? Quem de fato ganhou?
O Brasil labiríntico virou terra fértil do não-debate. O voto impresso foi politizado e a evidente precariedade do sistema eleitoral eletrônico virou um tabu. Desinformação e mentiras deliberadas brotaram de todos os cantos. Bolsonaro, com sua incapacidade de se expressar, deu aos seus opositores os ingredientes necessários para pintar de golpista uma medida que de golpista não tinha absolutamente nada. O voto impresso era simplesmente um mecanismo de verificação do voto eletrônico. Mas foi implodido pela política sectária.
Mas foi fácil enterrar a medida. Com seu discurso de “não vai ter eleição”, o presidente Bolsonaro vestiu a carapuça golpista. Mostrando que a inexistência de Ariadne também pode ser sentida pela mais absoluta falta de inteligência e estratégia.
Mas ainda tem saída. Da mesma forma que o TSE serve para nos lembrar que não existem sistemas eletrônicos impenetráveis, também devemos saber que não há labirintos que não possam ser vencidos. Sem um novelo para demarcar o caminho, a tarefa fica vez mais difícil – sobretudo em um país labirinto.
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