O empreiteiro Marcelo Odebrecht| Foto: Antônio More/Arquivo/Gazeta do Povo

A semana começou com a primeira entrevista que Marcelo Odebrecht concedeu desde que a Polícia Federal bateu na porta de sua casa na alvorada do dia 19 junho de 2015. O ex-CEO da empresa, que leva o nome de sua família, e já foi a maior empreiteira do país, se comportou como um incompreendido.

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A impressão que fica é que os dois anos e meio na cadeia e a confissão de crimes não serviram para uma reflexão sobre o seu papel e o de sua companhia no maior caso de corrupção já descoberto no continente.

Marcelo Odebrecht disse ao jornal Folha de S. Paulo: "O que ocorreu nos últimos anos aqui no Brasil foi um crime. Criminalizaram algo que nunca deveria ter sido criminalizado. Se houve um crime, foi na criminalização do financiamento à exportação".

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Vale destacar: "Se houve um crime, foi na criminalização do financiamento à exportação".

Mas quem foi que criminalizou as operações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)? Talvez seja útil relembrar que, embora não fosse a única engrenagem na máquina de corrupção montada nos governos petistas, em associação com os companheiros bolivarianos, a Odebrecht exerceu papel central e genial.

A empresa baiana institucionalizou a trapaça. Criou uma unidade dentro da companhia para o pagamento de propinas e lavagem de dinheiro – o "Departamento de Operações Estruturadas". Algo nunca visto na história deste país. O setor que não era clandestino, mas atuava no submundo das relações políticas e comerciais com mais de uma dezena de países, movimentou em seus subterrâneos mais de US$ 3,37 bilhões, entre os anos de 2006 e 2014.

Repetindo: US$ 3,37 bilhões dedicados ao pagamento de propinas e outras ações clandestinas que envolveram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PT, e políticos de várias outras legendas no Brasil e em todos os países onde a Odebrecht atuou por meio de contratos patrocinados com recursos do BNDES. Mas, para Marcelo Odebrecht, ""Se houve um crime, foi na criminalização do financiamento à exportação".

O empreiteiro arrisca a dizer que se a Lava Jato não tivesse destruído a imagem dele e de seu grupo empresarial no exterior, ele teria como “ficar no pé” dos governos para evitar calotes como os que o Brasil hoje sofre por parte de alguns países onde atuou como Cuba e Venezuela. Atribuindo a si e ao seu grupo a posição de fiadores de milhões de dólares que estão ameaçados de serem perdidos como resultado do sequestro ideológico que o PT fez do Itamaraty e do BNDES.

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E sem nenhuma cerimônia, ele ainda confessa a diplomacia paralela que a Odebrecht realizava nos governos petistas: "Estão dizendo que tem um default de Cuba com o Brasil. Mas veja bem, o que o Brasil tinha que pagar de Mais Médicos. (…) Agora, o Brasil vai e acaba com o Mais Médicos. Quer dizer: o Brasil acabou com a fonte de recurso que ajudava Cuba a pagar o financiamento. Se a gente fosse a Odebrecht de antes da Lava Jato, no momento em que a gente percebesse que o governo está ameaçando o Mais Médicos, nós teríamos usado de nossa influência para tentar manter o programa. Não em cima de nada ilícito, mas provando ao governo que o Mais Médicos é que iria pagar o financiamento que Cuba pegou do Brasil."

Ainda no campo da diplomacia paralela, Marcelo Odebrecht contou a sua versão de como o Brasil foi engajado a financiar a construção do Porto de Mariel. Segundo ele, em duas décadas construindo obras financiadas pela BNDES no exterior, "só uma" teve uma motivação ideológica e geopolítica, conforme suas palavras. "A gente (Odebrecht e Lula) avaliou as oportunidades e identificou que o melhor para o Brasil, economicamente e do ponto de vista de exportação de bens e serviços, era fazer um porto em Cuba."

A suposta revelação de Marcelo Odebrecht diverge profundamente do depoimento prestado pelo seu pai, Emilio, ao Ministério Público Federal no dia 14 de dezembro de 2016, como parte de um dos pontos de sua delação premiada. Portanto, vale ressaltar, sob juízo.

Segundo Emilio Odebrecht, a ideia do Porto de Mariel é de autoria do então presidente da Venezuela Hugo Chávez. Conforme seu relato, o venezuelano pediu diretamente a ele a viabilização do porto. O patriarca relatou que prontamente respondeu que sim, mas que precisaria de tempo para se blindar de possíveis sanções nos Estados Unidos – que desde 1961 impõe restrições comerciais ao regime cubano – e que seria necessário envolver o presidente Lula.

Emilio Odebrecht diz o óbvio. Em situação normal ninguém, nenhum banco, ou governo se meteria a fazer uma obra da dimensão da que foi erguida em Mariel, em um país quebrado como Cuba, sem que fossem apresentadas garantias excepcionais. Mas Lula o chamou para conversar e deu a ordem para começar a obra. Questionado se o presidente atuou junto ao BNDES para liberar os recursos, o empresário foi direto: lógico.

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Marcelo Odebrecht acha um absurdo as autoridades brasileiras se preocuparem "se teve ou não superfaturamento" nas obras no exterior. Ele disse "não entender por que o Brasil questiona isso". Fica a impressão de que para Marcelo Odebrecht, o Estado brasileiro deveria se comportar como um empresário corrupto que festeja quando consegue um contrato com vantagens ilícitas:

"Considerando que a gente conseguisse praticar preços na nossa exportação, que é maior que uma determinada referência, isso é positivo. Ou o Brasil vai estar preocupado que suas empresas estão ganhando 40%. (…) Se a gente vendesse serviço de engenharia com 60% de margem o Brasil tinha de agradecer. (…) Se o BNDES está financiando exportação de bens e serviços, quanto mais resultados a gente conseguir, melhor. Não interessa o Brasil saber."

Mesmo desejando o contrário, Marcelo Odebrecht dá a pista para algo que ainda não apareceu nos acordos de colaboração nos Estados Unidos e a Lava-Jato ainda nem triscou: Cuba. Os documentos das duas investigações não trazem informação alguma sobre corrupção no regime comunista. Algo curioso que, com um pouquinho de dedicação, pode abrir um novo e promissor campo de investigação.

O empresário inglês Stephen Purvis publicou um livro que conta o caminho que o levou para prisão em Cuba intitulado Close but no cigar: A true story of prison life in Castro's Cuba. Logo na página 30, há algo que deveria interessar muitíssimo aos procuradores da Lava Jato.

Purvis relata como foi contratado para construção do Porto de Mariel e como terminou sendo substituído pela Odebrecht. Purvis escreveu que depois de ter fechado um acordo com o ministro da Indústria e Comércio Exterior, Rodrigo Malmierca, ele reuniu investidores e contratou os projetos que permitiram concluir o Porto de Mariel, com boa margem de lucro, ao custo final de 350 milhões de dólares. Mas seis meses depois de o orçamento ter sido apresentado e oficialmente aprovado, Luis Alberto Rodríguez López-Callejas (que vem a ser ex-genro de Raul Castro e controlador de empresas que representam 60% da economia cubana), rompeu o contrato alegando questões de "soberania".

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Menos de três meses separaram a conversa entre Purvis e López-Callejas da assinatura do contrato com a Odebrecht. E a obra que havia sido orçada pelos ingleses em 350 milhões de dólares, foi contatada por quase 1 bilhão de dólares, dos quais 682 milhões de dólares saíram dos cofres do BNDES.

Marcelo Odebrecht acha que isso não é um problema do Brasil. Apesar de o dinheiro roubado em Cuba ter do bolso de cada um dos contribuintes brasileiros. A conversa com a Folha foi um ensaio para o retorno ao ambiente social. Mas deveria ser vista pelo Ministério Público Federal como uma boa oportunidade para uma bela "entrevista".