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Leonardo Coutinho

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Brasil, América Latina, mundo (não necessariamente nesta ordem)

Rússia

O que o conservador Putin quer conservar?

O presidente Vladimir Putin acende uma vela durante cerimônia da Igreja Ortodoxa Russa (Foto: Divulgação/Kremlin)

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Logo depois de dizer que tem uma viagem para a Rússia prevista para o final de fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro ouviu uma pergunta de um apoiador que, com sua voz marcada pelos anos de vida, consulta o líder brasileiro sobre algo que ele ouviu sobre o presidente russo Vladimir Putin.

- Aquilo é verdade... que ele é um conservador mesmo. Que ele é gente da gente? Eu acho aquilo...

Bolsonaro disparou interrompendo seu interlocutor.

Não faz muito tempo, esta coluna contou como os russos estavam se movimentando por Brasília. Como o atual embaixador bateu nas portas corretas e com o discurso correto. A Rússia é a alternativa à China. “Somos um país cristão e nosso líder é conservador.” Bolsonaro, ao que parece, acreditou.

Não só acreditou como aceitou aterrissar em Moscou em meio à névoa. O denso nevoeiro da guerra. O presidente brasileiro espera encontrar na Rússia um líder forte com afinidades e valores conservadores – tão caros para ele e sua base. Os arquitetos deste encontro ignoram o fato de que neste momento Vladimir Putin, que espera Bolsonaro de braços abertos, pode empurrar a Europa para crises política, de segurança e energética, arrastando para o centro da crise Estados Unidos e China, em um enrosco daqueles.

Estes mesmos arquitetos e conselheiros ignoram outro fato. Até o final de fevereiro, quando Bolsonaro diz pensar ir para a Rússia, a situação pode ter se deteriorado de tal maneira, que a viagem não será apenas um suicídio geopolítico, como algo simplesmente inviável.

Mas a pergunta central é a seguinte. O que o “conservador” Putin quer “conservar”?

Putin é um autocrata. Em seu quarto mandato, ele manda um recado para seu povo e para o mundo que o que ele quer conservar é seu poder, o neo-czarismo que ele fundou e é a base da construção de um projeto de poder.

O conservadorismo de Putin passa muito longe dos conceitos fundamentais do próprio conservadorismo, dos quais por sinal muitos conservadores sequer fazem ideia. Vão por instinto achando se tratar de sinônimos de alguns anacronismos.

Putin olha para dentro da Mãe Rússia. Suas referências conservadoras são locais e culturalmente desenhadas para alimentar o projeto de um império grandioso. O “conservadorismo putinesco” é um instrumento político, estratégico e expansionista. Suspeito que o presidente Jair Bolsonaro não recebeu a informação completa. Além disso, não lhe contaram que o projeto de Putin (o mesmo Putin que toca fogo na Venezuela e possivelmente ajudou Lula a sair da cadeia) não só não combina com o bolsonarismo, como quer o seu fim.

O “conservadorismo putinesco” traz ingredientes familiares. 1) Fala de soberania nacional versus globalismo: “Somente Estados soberanos podem responder efetivamente aos desafios dos tempos e às exigências dos cidadãos. Assim, qualquer ordem internacional eficaz deve considerar os interesses e capacidades do Estado e proceder com base nisso, e não tentar provar que eles não devem existir". 2) Faz crítica às revoluções: “O custo de experiências sociais mal concebidas está, às vezes, além de qualquer estimativa. Tal ação pode destruir não apenas os fundamentos materiais, mas também os fundamentos espirituais da existência humana, deixando para trás destroços morais onde nada pode ser construído para substituí-lo por muito tempo. Nenhuma revolução valeu o dano que ela causou ao potencial humano”. 3) Os valores cristãos versus secularismo: “Acreditamos que devemos confiar em nossos próprios valores espirituais, em nossa tradição histórica e na cultura de nossa nação multiétnica”.

Gostou? Ainda tem mais.

4) Combate ao aborto: "Você sabe qual é o truque?”, perguntou Putin. “O truque é que é claro que há muita diversidade em cada nação e ao redor do mundo. Ainda assim, algo une todas as pessoas. Afinal de contas, todas as pessoas querem viver.” Ele ainda acrescentou: “A ideia de dar prioridade absoluta ao valor da livre escolha e de rejeitar a prioridade das normas morais se tornou uma bomba que explode lentamente para a civilização ocidental, se pudéssemos cortar pela metade o número de abortos, haveria um crescimento demográfico constante e poderoso”.

5) Defesa da família: “Na minha opinião”, disse Putin, "o mesmo [respeito pela vida] se aplica à família como um valor [universal], por que o que pode ser mais importante do que a procriação? Queremos ser ou não ser? Se não quisermos ser, tudo bem. Veja, a adoção também é uma coisa boa e importante, mas para adotar uma criança, alguém tem que dar à luz a essa criança. Este é o segundo valor universal que não pode ser contestado.”

Então, como Putin não é um conservador se ele diz exatamente o que os conservadores defendem?

Eis a chave para entender e evitar a armadilha. Putin é um político que conhece a alma de seu povo melhor do que ninguém. Para ele, o que assume a feição de “conservadorismo” nada mais é que os ingredientes de uma estratégia de manutenção no poder por meio do nacionalismo russo que é o cerne de suas principais ações expansionistas e geopolíticas.

O que Putin quer conservar é o poder.

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