Nesta semana, os meios de comunicação chineses – os mesmos que no Brasil têm acordos de parceria com a TV Cultura de São Paulo, a Band, EBC e Grupo Globo – divulgaram um texto, pra lá de esquisito, atribuído à tenista Peng Shuai, de 35 anos, que já foi a número 1 no ranking mundial de duplas e é uma das maiores estrelas da China. No que afirmam ser um e-mail da tenista, os porta-vozes da ditadura tentam desfazer de um escândalo que atingiu em cheio o núcleo duro do Partido Comunista.
Peng Shuai desapareceu desde que, há algumas semanas, postou no Weibo, a versão local do Twitter – já que a rede social é proibida no país –, que o ex-vice-primeiro-ministro Zhang Gaoli, que fez parte do Comitê Central do PC chinês, a forçou a fazer sexo com ele no passado. A denúncia ficou apenas 30 minutos no ar até desaparecer. E com a mensagem, Peng Shuai.
No último mês, o regime fez de conta que não havia acontecido nada. Ignorou manifestações de estrelas mundiais do tênis cobrando notícias da colega. Fez cara de paisagem em entrevistas coletivas quando questionado por jornalistas de veículos ocidentais. Algo bem típico de regimes totalitários. Não devem explicações.
Mas uma manifestação da Women's Tennis Association (WTA) tirou o sossego do PC Chinês. Ignorando as centenas de milhões de dólares em patrocínio e negócios no país, o presidente da entidade, Steve Simon, disse que exigiu investigação das denúncias, o fim da censura e notícias do paradeiro da atleta. E falou inclusive sobre um possível afastamento da China da entidade.
Casos como a pressão sobre a NBA e Disney, por exemplo, mostram como a China usa os superpoderes do seu mercado gigantesco para impor censura, restrições e reformulações para moldar as atrações ao gosto do Partido Comunista.
Apesar da curta memória nacional, os brasileiros deveriam se lembrar de como a China não se importou em sequestrar os insumos necessários para produção de vacinas contra a Covid-19 no Brasil para forçar o governo a atender seus interesses nas redes 5G e até a demissão do ex-ministro das Relações Exteriores.
Com o fracasso da pressão econômica, a ditadura chinesa, muito possivelmente, coordenou a operação que resultou no “e-mail” de Peng Shuai. O texto é tão absurdamente maluco que a suposta Peng Shuai desmente até o seu post original no qual se declarou vítima de abuso sexual. Puxa a orelha da WTA e diz que a entidade não pode falar por ela sem sua autorização e que não está sumida.
A imagem do e-mail divulgada pela estatal CGTN é tão tosca que mostra o cursor do editor de texto no meio da mensagem, revelando ser uma captura de uma tela do redator da mensagem, não de um e-mail efetivamente enviado.
A WTA não comprou a história e disse não acreditar que a mensagem tenha sido escrita pela tenista, que segue sem aparecer há mais de um mês.
O caso de Peng Shuai se soma ao de Jack Ma, o homem mais rico da China, que também desapareceu depois de criticar levemente o regime. Mas reapareceu para dizer algumas coisinhas, esclarecer o mal-entendido e depois sumiu do radar.
Por quatro décadas, a China enganou o mundo fazendo-se passar por um país cuja transformação econômica também levaria a uma mudança política. Nos últimos dois anos, Pequim rasgou a fantasia e não esconde que o Partido Comunista se fortaleceu nas trevas para manter a China exatamente como eles querem e precisam. Para Xi Jinping e seus comandados, é o mundo que precisa mudar para acomodá-los.
E tais mudanças passam por um esforço brutal de propaganda, espionagem e corrupção, para baixar as réguas dos valores ocidentais ou implodi-los. Não é por acaso que a China tem bancado interferência em eleições e em sistemas políticos, comprado cientistas, bancado jornais e afagado políticos, artistas e empresários.
A combinação de tolerância com as barbaridades chinesas e a disseminação de confusão que levam à divisão e ao descrédito das democracias faz do Ocidente menos legítimo e da China algo mais normal.
Mas ainda há janelas que nos mostram a China sem filtros. A denúncia de Peng Shuai, a forma como a China conduziu a situação e como está tentando encobri-la devem servir de lição.
Troque Peng Shuai por 5G. Imagine as autoridades brasileiras descobrindo roubo de informações, violação de privacidade ou atividades de inteligência. Vai reclamar para quem? Terão sorte se receberem uma cartinha de ficção como esta, supostamente escrita pela tenista. A China vai impor boicote, ferrar com o agronegócio, chantagear e tudo vai seguir como eles querem.
“Ah... mas nós temos o histórico de espionagem da NSA”, sempre dizem os sinófilos. É verdade. Tratou-se de um episódio grotesco do abuso dos sistemas de inteligência de Estado pela administração de Barack Obama. O que aconteceu depois de descoberto? Congresso, imprensa e até o governo de Dilma Rousseff passaram um sabão nos Estados Unidos.
Enquanto na sociedade americana o movimento Me Too impôs a regra da tolerância zero ao assédio, na China surge uma carta fake para livrar a cara dos chefes do regime.
Este é o regime para o qual muita gente rasteja.
Moraes eleva confusão de papéis ao ápice em investigação sobre suposto golpe
Indiciamento de Bolsonaro é novo teste para a democracia
Países da Europa estão se preparando para lidar com eventual avanço de Putin sobre o continente
Em rota contra Musk, Lula amplia laços com a China e fecha acordo com concorrente da Starlink
Deixe sua opinião