Está cada vez mais comum ler e ouvir analistas que apostam em uma vitória do coronavírus na eleição presidencial americana. A coragem de colocar sob a mesa todas a fichas em cravar algo que nem os institutos de pesquisas foram capazes de antecipar na eleição passada segue uma equação aparentemente simples. A reeleição do presidente Donald Trump estava praticamente garantida antes de um vírus chinês desembarcar nos Estados Unidos. Em seis semanas, 33 milhões de empregos foram destruídos e a América foi empurrada para uma crise maior que a depressão de 1929.
O raciocínio é uma reverberação do otimismo que a peste trouxe para o comitê democrata. Os estrategistas e apoiadores de Joe Biden estão seguros de que Trump pagará sozinho a conta pela crise. Além do desemprego, uma lista de mortes, que já se aproxima de 90.000 pessoas, serão debitados do capital político do presidente-candidato.
Inevitavelmente, os erros de Trump no trato da epidemia (destaque para lentidão na resposta e declarações desastradas minimizando a epidemia), impactarão no processo, mas não está claro em que nível isso se dará.
Os cabos eleitorais de Biden apostam na peste. Mas com uma ressalva importante. Não se trata de dizer que eles trabalham para aprofundar o problema, ou torcem para ele se aprofunde. Mas quem está nesse jogo sabe. Quanto pior, melhor para Biden.
Para eles, a aposta é válida, pois, quando forem às urnas, os americanos punirão o político que lhes prometeu prosperidade e proteção substituindo-o pela segurança de quem sabe como tirar o país do atoleiro.
O pensamento faz sentido. Mas até certo ponto. Os eleitores são utilitaristas, mas não são tão previsíveis assim. Se assim fosse, Hillary Clinton teria vencido as eleições de 2016, assim como Fernando Haddad seria presidente do Brasil, conforme anunciavam as pesquisas eleitorais.
Esse pensamento, aliás, traz uma marca de arrogância típica de quem em 2016 tratou como uma legião de ignorantes e caipiras as pessoas que fartas de serem tratadas exatamente como ignorantes e caipiras deram de ombros para a candidata de Barack Obama, e elegeram o disruptivo Trump.
Até novembro, o balanço da epidemia não deverá trazer apenas os erros e acertos da administração atual. As pessoas que viram a economia decolar nos últimos três anos e agora não têm como pagar as contas pelo desemprego ou redução da renda serão confrontadas com algo mais.
As perguntas que a América fará não se limitarão ao que Trump fez ou deixou de fazer para mantê-las empregadas e vivas. Os americanos inevitavelmente desejarão saber como ficaram tão vulneráreis. É justamente nesse ponto que a vida começa a ficar difícil para os democratas.
A bomba estourou nas mãos de Trump, mas ela estava armada anos antes. E não se trata de dois, três ou quatro anos de antecedência. Trump está chegando ao fim de seu primeiro mandato e antes dele Obama esteve por oito anos no comando da maior potência econômica e militar do planeta.
Embora os obamistas compartilhem vídeos em que o ex-presidente “alertava” para o risco de uma pandemia global afetar os Estados Unidos, ele não fez absolutamente nada que possa ser considerado como medidas de prevenção ou mitigação para a crise que hoje afeta o país.
Os eleitores americanos certamente podem se lembrar disso e transferir a cobrança da fatura para Biden, que por sinal era vice-presidente quando nada fora feito para proteger a saúde e a economia dos Estados Unidos.
Republicanos e democratas serão cobrados. “Por que ficamos trancados em casa vendo nossa economia sufocar?”, “Por que enfrentamos desabastecimento?”, “Por não temos máscaras de proteção e álcool gel disponíveis para comprar?” “Por que nos faltam respiradores?”. A lista de perguntas é curta diante dos vários pontos que surgirão e Washington terá a dura tarefa de esclarecer.
Para os quatro pontos citados acima, a reposta é uma só: os Estados Unidos não produzem o que precisa. Gradualmente, desde Jimmy Carter, a América foi transferindo para China suas linhas de produção. Como se vê acima não só de quinquilharias, mas de insumos vitais. Algumas projeções indicam que 80% dos compostos dos medicamentos que os americanos consomem são made in China. Quando o quesito é antibióticos, o quadro é ainda mais estarrecedor. Simplesmente 97% da produção é chinesa. O que o coranavírus fez foi expor a profundidade do problema americano.
Se os democratas forem cobrados pela apatia e talvez cumplicidade com a crise atual, o jogo eleitoral ficará ainda mais enroscado. É que nesse quesito, Trump tem a vantagem de ter dito que lá na campanha de 2016 que os Estados Unidos precisavam recuperar sua indústria de base. E antes da pandemia, ele já havia conseguido geram 500.000 postos de trabalho em manufaturas em solo americano.
Aqueles que experimentaram o gostinho de voltar a ter renda, a viu aumentar nos últimos anos, ou aqueles que ainda tem emprego, vão se lembrar do slogan “Make America Great Again”. E se isso acontecer, a fatura também será apresentada para os democratas.
Os protestos contra o confinamento são um sintoma disso. E as reações da esquerda americana diante da insatisfação dessa parcela da população mostram que eles não transferiram a experiência de 2016.
Assim como quem menosprezou os eleitores de Trump como sendo racistas, burros, toscos ou jecas, os democratas apontam o dedo para quem questiona o isolamento como se fosse um grupo de genocidas e obscurantistas. O típico monopólio da virtude que liberais (no conceito americano) e progressistas no geral consideram possuir.
Trump se elegeu com ajuda de gente esquecida e desprezada. O mesmo pessoal que hoje, lá no subsolo – bem longe do Olimpo dos dos descolados da Califórnia, burocratas de Washington e bacanas de Nova York – está falido.
O coronavírus entrou na campanha. É claro que Trump pode perder a eleição – por causa do vírus ou não. Mas eu não apostaria nem um centavo na euforia dos cabos eleitorais a peste. O jogo ainda está sendo jogado.
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