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Leonardo Coutinho

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Brasil, América Latina, mundo (não necessariamente nesta ordem)

Crise

Os incêndios na Bolívia se alastram para o Brasil e fingimos estar tudo bem

(Foto: Joédson Alves/Agência Brasil)

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No início dos anos 2000, além de ser a maior fornecedora de cocaína para o Brasil, a Bolívia também se transformou em responsável pela exportação de 50% do gás natural consumido pelos brasileiros. Parecia que seria o triunfo da economia formal sobre a economia do ilícito. Parecia. Uma década depois, a exportação de gás havia caído pela metade e caminha para zero nos próximos anos.

Além de o tráfico de drogas ter sido a atividade que mais prosperou no comércio, vamos dizer assim, o país andino também se transformou em um poderoso exportador de fumaça e incêndios. Segundo os dados oficiais, foram registrados mais de 20.000 focos de incêndio no país andino ao longo do mês de agosto.

Para entender o tamanho do problema, a média de queimadas medidas no mesmo período é de 8.360. O número de  manchas de calor detectadas pelo satélite em julho também superou a média histórica em quatro vezes.

A região de Santa Cruz, na fronteira, é a mais castigada, concentrando a maior parte das queimadas que além de torrar a vegetação local, se alastra invadindo o Brasil. As imagens de satélite são claras quanto a isso.

Boa parte das chamas que torram o Pantanal “pularam” a fronteira. Vieram da Bolívia sem pedir licença, assim como a cocaína que passa em toneladas todos os dias

É verdade que a região está enfrentando uma seca atípica que transformou aquela porção da América do Sul em combustível para os incêndios. Mas há algo além do fenômeno climático.

Sob o pretexto de fazer reforma agrária, o presidente cocaleiro Evo Morales – que ficou no poder entre 2006 e 2019 – distribuiu milhões de hectares aos camponeses com o objetivo de redesenhar eleitoralmente o país por meio do ingrediente étnico.

Depois de conquistar a presidência com o voto massivo das comunidades da região altiplano – cuja maioria é indígena – Morales percebeu que havia três pontos de fraqueza para sua plataforma eleitoral e plano de perpetuação no poder: os departamentos de Santa Cruz, Beni e Pando. Ali ele não só perdia para seus concorrentes, como não conseguia fazer seus governadores e parlamentares de sua base.

Sendo assim, Evo Morales exportou milhões de pessoas que viviam nas alturas da Cordilheira dos Andes para ocupar as terras baixas repletas de florestas como Pando e Beni e as paisagens verdejantes, mas menos densas de Santa Cruz.

Sem saber manejar aquele ecossistema, iniciou-se uma onda de desmatamento e devastação sem precedentes. Vista como mato, a vegetação nativa precisava ser destruída para dar caminho às lavouras.

Uma década depois, a prática segue idêntica e os focos de incêndio se alastram todos os anos como resultado da queima para “limpeza” das áreas. Como em 2024 há o ingrediente da seca extrema, o fogaréu e a fumaceira que se espalha pela região, chegando no Brasil, é inevitavelmente maior.

O que está acontecendo agora é basicamente uma reedição de 2019. Naquele ano, a Bolívia ardia em chamas. Uma parte do Brasil e da Amazônia também. As imagens de satélites disponíveis eram claras e mostravam o problema que era, aparentemente, mais grave no território boliviano. Mas o que aconteceu?

Todo mundo fez questão de ignorar o que estava acontecendo na Bolívia e colocou a culpa no Brasil e no governo de turno. Evo Morales, que foi quem idealizou o modelo de ocupação que tem contribuído para destruição da vegetação na parte oriental da Bolívia saiu ileso das críticas.

Assim como nenhuma autoridade cobra do governo da Bolívia a sua responsabilidade sobre a expansão da produção de cocaína que inunda o Brasil, ninguém cobra deles providências sobre a devastação e incêndios. 

Entre 2015 e 2023, as taxas de desmatamento na Bolívia cresceram 249%.

O mais bizarro é que além da expansão agropecuária, muito do desmate na Bolívia se dá para produção de coca e o consequente refino de cocaína.

Evo Morales saiu do poder em 2019, em meio a um autogolpe, a oposição passou por um mandato tampão sem fazer nada relevante para a Bolívia. Desde 2020, Luis Arce toca o país sem mudar nada.

Caminhando cada vez mais para um Estado falido, com uma economia formal em frangalhos e totalmente dependente do dinheiro proveniente do tráfico de drogas, a Bolívia tem potencial para mergulhar no mesmo abismo que engoliu a Venezuela.

O fogaréu e a fumaceira são sazonais e parecem infinitamente menores que o problema contínuo que o tráfico de cocaína representa para segurança, saúde pública e a própria sobrevivência da democracia brasileira. Não é demais lembrar a voracidade com que o crime organizado está avançando sobre a política e as instituições.

Se o país afundar, como tudo indica, a conta vai pesar no Brasil e será muito mais incômoda que o fogo e a fumaça que os governos brasileiros insistem em ignorar.

Conteúdo editado por: Aline Menezes

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