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Leonardo Coutinho

Leonardo Coutinho

Brasil, América Latina, mundo (não necessariamente nesta ordem)

China e Estados Unidos

Os pandas e os lobos

Os pandas Mei Xiang e Tian Tian em foto de 2008. (Foto: Mehgan Murphy/Smithsonian’s National Zoo)

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Na terceira semana de abril de 1972, Ling-Ling e Hsing-Hsing foram apresentados em Washington, D.C, como os embaixadores da reaproximação da China com o Ocidente. A dupla desembarcou nos Estados Unidos menos de dois meses depois da histórica visita de Richard Nixon à China – a primeira de um presidente norte-americano, apenas seis anos depois de o líder chinês Mao Tse-tung ter dado início à sua Revolução Cultural, que, além de ter se baseado em expurgos e em uma brutal repressão que resultou na morte de milhões de pessoas, tinha como objetivo borrar a influência ocidental. O caminho até a retomada das relações diplomáticas, em 1979, foi longo. Além da maestria do secretário Henry Kissinger, que foi conselheiro de Segurança Nacional e secretário de Estado, Ling-Ling e Hsing-Hsing tiveram um papel central. E o mais fantástico é que os diplomatas chineses eram uma dupla de pandas.

Quando esteve no Zoológico de Pequim, a então primeira-dama dos Estados Unidos, Pat Nixon, derreteu-se de amores pelos bichos. A paixão à primeira vista foi tão evidente que Mao resolveu fazer um gesto de cordialidade para com a senhora Nixon. Deu aos Estados Unidos um presente – que não só fez a alegria da mulher do presidente americano, mas de um país inteiro. No dia da apresentação ao público no Zoológico Nacional de Washington, nada menos que 20 mil pessoas compareceram ao local. Um verdadeiro “pandamônio”, como Pat Nixon fez questão de brincar.

Nos últimos 50 anos, os pandas se consolidaram como estrelas. Ling-Ling e Hsing-Hsing morreram na década de 1990 e depois deles vieram mais. Ao todo foram oito, entre os transferidos da China e os nascidos na capital norte-americana e depois enviados para a China, como parte dos acordos que vieram depois dos pandas presenteados.

A China avisou que não mais vestiria a fantasia de país em abertura e que não se sujeitaria mais a um Ocidente que tentava conduzir o gigante asiático a um processo de ocidentalização

Mas em 2000, quando era a vez de renovar os tratados, os chineses disseram não. Estabeleceram a primeira semana de dezembro de 2023 para que os atuais três pandas que estão no zoo da capital norte-americana fossem devolvidos, colocando fim a meio século de panda-diplomacia.

Sem nenhum exagero, a história dos pandas na América explica o oportunismo (que tecnicamente pode-se chamar de soft power), a evolução, as tensões e a deterioração das relações entre China e Estados Unidos. A recusa dos chineses de permitir que seus pandas seguissem na América coincide com a mudança do humor entre os dois países.

Donald Trump – que já vinha apertando o garrote comercial e já não aceitava bovinamente o passeio que as empresas de tecnologia faziam no país, pois, segundo a Casa Branca, elas roubam de forma massiva dados dos cidadãos – deixou o líder chinês Xi Jinping e seu Partido Comunista de pelos eriçados. Com o surgimento da pandemia de Covid-19 e toda a tragédia superlativa que a seguiu, a relação com os chineses azedou de vez. Trump, que não se furtou em chamar o coronavírus de vírus chinês, apontou para a responsabilidade chinesa nas origens da pandemia. Se por um lado alimentou a xenofobia, por outro não fechou os olhos para a possibilidade de a pandemia ter sido resultado de um vazamento em um laboratório, onde o vírus era pesquisado e possivelmente manipulado para o ganho de funções.

As tensões provocadas naquela ocasião levaram o regime chinês a redefinir a sua diplomacia, saindo do modo panda e ingressando no modo lobo. Mais precisamente, “Lobo Guerreiro”. Expressão que faz referência ao filme-propaganda de mesmo nome, que apresenta uma espécie de Rambo chinês que luta pela defesa dos valores chineses contra inimigos malvadões ocidentais, mais especificamente norte-americanos.

Os lobos guerreiros colocaram as garras para fora e mostraram as presas nas mais diversas situações. No Brasil, o então embaixador Yang Wanming cumpriu a missão com louvor. Partiu para o espancamento público de seus críticos, chamando para a briga o então ministro das Relações Exteriores, deputados federais e até o presidente da República. Movimentos semelhantes foram registrados na Austrália, Suécia, Paraguai, Canadá e nos Estados Unidos.

A China avisou que não mais vestiria a fantasia de país em abertura e que não se sujeitaria mais a um Ocidente que tentava conduzir o gigante asiático a um processo de ocidentalização. Para a China, é o mundo que deve se adaptar a ela. Um mundo de democracia relativa.

O mundo mudou e os pandas não têm função alguma para vender uma imagem da China que pode ser muito bem resolvida por meio do cinema e toda ordem de propaganda muito bem paga em jornais, revistas e televisão

Os pandas perderam o sentido e chamá-los de volta – além ser uma punição para aqueles que se deleitavam com a presença deles (aqui vai um link para quem quiser ver ao vivo os últimos momentos dos pandas no zoo de Washington) –, é um sinal claro de que a assertividade da política externa chinesa substituiu a fofura. Pequim tem muito mais que bichinhos felpudos para conquistar os corações e mentes. Além dos lobos, que são acionados em momentos em que a pancadaria se faz necessária, os chineses têm um exército de influencers recrutados na imprensa, na diplomacia de quase todos os países, nos parlamentos, na academia e no empresariado.

O mundo mudou e os pandas não têm função alguma para vender uma imagem da China que pode ser muito bem resolvida por meio do cinema e toda ordem de propaganda muito bem paga em jornais, revistas e televisão. Eles que voltem para casa.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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