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Leonardo Coutinho

Leonardo Coutinho

Brasil, América Latina, mundo (não necessariamente nesta ordem)

Diplomacia canarinho

Pelé, o rei do soft power

Pelé na Casa Branca em 28 de junho de 1975. À esquerda, o então presidente dos EUA, Gerald Ford, à direita, embaixador João Augusto de Araújo Castro e outros. (Foto: White House/William Fitz-Patrick)

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Presidentes passam, enquanto os reis ficam. Uma busca com a palavra Pelé nos Arquivos Nacionais dos Estados Unidos ajuda a entender isso. Pelé foi à Casa Branca cinco vezes. Foi fotografado ao lado de Richard Nixon, em 1973; Gerald Ford, em 1975; Jimmy Carter; em 1977; e Ronald Reagan, em 1982 e 1986. Ele também se encontrou no Brasil com Bill Clinton, em 1997; e com Barack Obama, em 2019. Se ampliados por outros países a lista de líderes que posaram ao lado dele se estenderia por linhas e linhas. Basta lembrar que quando Pelé ganhou a primeira Copa para o Brasil, em 1958, o presidente era Juscelino Kubitschek. Depois dele vieram outros quinze. Edson Arantes do Nascimento, que morreu no penúltimo dia deste ano de 2022, seguiu e segue sendo Pelé, o rei do Futebol.

O rei Pelé foi um grande diplomata. Ou se preferirem um grande instrumento de diplomacia. Seja ela formal ou do esporte. Pelé fez parte do processo – talvez sendo o principal agente – da transformação do futebol em um negócio de dimensões universais, mas também em um poderoso instrumento de soft power.

A coletânea de fotos dele na Casa Branca em momentos distintos e com presidentes diferentes mostra como ele representou não só o soccer, como os americanos teimam em chamar o esporte, mas também o Brasil. Pelé chegou a jogar nos Estados Unidos, estrelou filmes e soube carregar o peso da camisa da Seleção Brasileira que virou símbolo de um país inteiro. Fonte de afeto e respeito a todos nós brasileiros.

Não é exagero dizer que não há canto no mundo onde Pelé não tenha chegado. Seu nome e a admiração que todos sentem por ele trouxeram amenidade para momentos críticos que este colunista viveu com “problemas legais” inventados por policiais corruptos no Suriname e Bolívia. Foi tema de bate papo com plantadores de coca na selva colombiana e um belo quebra-gelo com contrabandistas do Hezbollah, no Panamá. Todos amavam Pelé.

O fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado conta que estava no que se pode chamar de fim do mundo. Mais precisamente em um ermo entre a fronteira de Ruanda e a Tanzânia, quando aquela parte do mundo foi palco de uma das mais terríveis atrocidades da história recente da humanidade: um genocídio que resultou na morte de mais de 800.000 pessoas em um intervalo de cem dias, entre abril e julho de 1994.

Naquela parte do mundo matar e morrer havia se tornado algo banal. E foi nesse ambiente que Salgado seguia de carro de um campo de refugiados em solo ruandês rumo à fronteira com a Tanzânia, para onde milhares de pessoas estavam fugindo da carnificina.

Cercado por refugiados da minoria tutsi, que estava sendo exterminada pelo grupo étnico rival, os hutus, Salgado esteve na iminência de ser fatiado pelos facões que homens e mulheres carregavam em suas mãos e era a principal (e muitas vezes a única) arma de combate entre os grupos em disputa.

Por se comunicar em francês com seu fixer e intérprete, o fotógrafo foi confundido pelos tutsis que pensavam que ele era da França, país aliado dos hutus. Com a temperatura elevando-se, ele puxou o passaporte do bolso e mostrou gritando “Sou do Brasil”. Mas o que funcionou mesmo foi dizer a palavra mágica “Pelé”.

“Pelé salvou a minha vida”, disse-me Salgado.

E não só a de Salgado. Em uma conversa com um diplomata sobre esse episódio em Ruanda, ele contou de um professor inglês, que deu aulas para ele na The London School Of Economics And Political Science, que carregava camisas da Seleção Brasileira na mala para resolver qualquer tipo de problema que aparecia em suas pesquisas que campo no Irã e em outros países do entorno. Não são raros os relatos de outros jornalistas, fotógrafos e profissionais que se salvaram ao evocar o nome do rei do futebol, seja em situações críticas na Líbia, Somália, Síria e Iraque, por exemplo.

A diplomacia de Pelé deu à camisa amarela da Seleção um status de “passaporte diplomático”. Também valia ouro, quando o respeito não era o suficiente e a corrupção era a única forma de se livrar de um apuro ou da morte.

Na prática, o Brasil não se aproveitou bem do poder que poderia ter tido por meio de Pelé. De como ele poderia ter nos promovido ajudando-nos a mostrar o que tínhamos de melhor. Do que tínhamos, pois muita coisa que Pelé representava se perdeu. Foram substituídas por divisão e sectarismo identitário que não merece ser discutido aqui, pois o tema é Pelé.

Os argentinos, por exemplo, são muito mais habilidosos em explorar a imagem de Maradona e agora de Messi. Mostram para o mundo o orgulho que eles têm de seus craques. Mas no Brasil sempre tem o “mas”. A conjunção adversativa que nos faz ser a pátria do gol contra.

Pelé foi um craque cujo reinado se tornou universal e atemporal. As reações à sua morte, que vêm de fora do Brasil, mostram que para o mundo não existe “mas” algum. Pelé é rei.

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