| Foto: Aline Menezes com Leonardo AI
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Imagine a sensação de se comunicar tão privadamente que é permitido dizer ou escrever o que quiser com a despreocupação de que alguém pode estar bisbilhotando? Foi esse sentimento que levou os membros da Operação Lava-Jato a cair na tentação de se comportar de forma displicente, e muitas vezes infantil, no Telegram, a plataforma que prometia dar a eles inviolabilidade total de suas comunicações.

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Quando foram vazadas, as conversas deles viraram argumentos para destruição da maior operação anticorrupção da história recente.

Oficialmente foi um pessoal de Araraquara que deu um golpe e conseguiu descobrir a senha de uma vítima número zero. Depois disso, olhando a agenda do primeiro Telegram clonado, repetiram a receita dezenas, centenas de vezes. Pegando um por um. Passando pelos procuradores federais, o então juiz Sérgio Moro, jornalistas, políticos e até ministros do Supremo Tribunal Federal.

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Um trabalho de formiguinha que permitiu, segundo a versão oficial, ir puxando o fio – de agenda a agenda – até “pegar todo mundo”.

Mas isso faz sentido? É temporalmente possível?

Para a Polícia Federal brasileira, sim. Pelo menos a investigação concluiu que foi isso mesmo.

Petistas graúdos, depois de umas e outras, contavam outra história. Podem ter sido os efeitos ébrios dos Château Lafite e Brunellos? Pode. Mas a versão deles faz muito mais sentido que o conto de Araraquara. Segundo eles, os “hackers” seriam apenas laranjas. As informações vieram prontinhas de Moscou. Pode ser lorota de petista avinhado? Pode. Mas...

O Telegram, que virou o queridinho do pessoal sob a fachada de ser uma ferramenta dedicada à liberdade irrestrita de expressão e informação, está sob suspeita.

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Assim como os membros da Lava-Jato achavam estar protegidos dentro da plataforma, opositores e críticos do regime de Putin também se expressam inadvertidamente por lá

São cada vez mais fortes as suspeitas de que a plataforma é um Cavalo de Troia que atraiu políticos, ativistas, jornalistas e dissidentes que acreditaram estar em um ambiente protegido e que por isso entregaram (e entregam) sua privacidade e muito mais do que isso para o governo russo, que teria influência sobre o aplicativo.

São cada vez mais intensas as críticas de que a promessa do Telegram de oferecer proteção é relativa. E ainda maiores as suspeitas de que o dono e criador do aplicativo, o russo Pavel Durov, que se apresenta como um dissidente que precisou deixar seu país devido à perseguição, não seja exatamente quem diz ser.

Documentos vazados por opositores russos mostram que depois que Durov se autoexilou, em 2014, ele fez pelo menos 60 viagens à Rússia. Foram viagens secretas, que embora não estejam registradas nos serviços migratórios oficiais, eram de conhecimento das autoridades russas.

Os críticos de Durov chamam a atenção pelo fato de ele ser um feroz crítico do Ocidente e da limitação da liberdade de expressão nos países democráticos, mas nunca ter se colocado como um crítico de Putin.

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Para quem, assim como eu, suspeita que o Telegram é um cavalo de Troia, Durov se aproveita da polarização no ocidente e do contexto em que em muitas sociedades, como no Brasil, atos claros de censura são cometidos em nome da “defesa da democracia”, para justificar a necessidade de um ambiente livre como o de seu Telegram.

Enquanto a plataforma é defendida como “bastião da liberdade”, ela é usada para disseminar desinformação russa, apenas para citar os interesses do Kremlin.

Os defensores de Durov rebatem que ele é um herói. Afinal, em 2014, ele se viu obrigado a desfazer se sua primeira rede social depois que o governo russo queria obter os dados dos usuários. Este por sinal teria sido o evento que o obrigou também a deixar a Rússia.

Em 2018, Putin reforçou a fama de Durov, quando mandou bloquear o Telegram alegando que a plataforma estava sendo usada por terroristas. O bloqueio nunca aconteceu de fato. Formalmente por incapacidade estatal de fazê-lo. Só pode ser piada, não é?

Em agosto de 2024, Durov foi preso na França sob a acusação de não lidar com crimes no Telegram, incluindo alegações de fraude, tráfico de drogas e incentivo ao terrorismo. Muita gente viu com espanto e como “traço autoritário” dos franceses contra um defensor da liberdade. Inversão e imagem muito úteis para ajudar os russos – mas também os chineses e outros regimes – a pintar o Ocidente como decadente e autoritário, e seus regimes como modelos de defesa de valores, entre os quais, acreditem, estão a liberdade de expressão.

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Mas enfim. Se Pavel Durov e seu Telegram são cavalos de Troia, não é possível afirmar. Mas tomem cuidado. Basta lembrar que foi por meio do Telegram que o Brasil perdeu a sua maior chance em anos de se moralizar.