No mundo das redes sociais é quase impossível para os adolescentes resistir ao magnetismo do TikTok. A plataforma, que surgiu como um palco para compartilhar vídeos curtos de dança e comédia, rapidamente se metamorfoseou em um fenômeno global, conquistando 1,7 bilhão de usuários ávidos por criar, consumir e se expor, quase sempre por meio de dancinhas coreografadas, que se tornaram a marca principal da plataforma.
Os números de usuários do TikTok só não são ainda mais surpreendentes porque o aplicativo é proibido na superpopulosa Índia. Na China, onde a plataforma foi criada, sua proprietária, a ByteDance, roda outra versão, com nome diferente e sob a supervisão do Partido Comunista Chinês. Em resumo, o TikTok não é acessado nos dois países mais populosos do mundo.
O TikTok tornou-se alvo de minucioso escrutínio por parte de autoridades e especialistas em segurança cibernética do mundo todo. A opacidade de suas práticas de coleta de dados e os laços estreitos com o governo chinês hastearam bandeiras vermelhas sobre o potencial de vigilância e espionagem. O acesso irrestrito a dados pessoais dos usuários, incluindo vídeos, localização, histórico de navegação e até mesmo conteúdo deletado, alimenta receios legítimos sobre o destino e o uso dessas informações.
Sob a perspectiva dos cidadãos, o TikTok – com sua capacidade de coletar e analisar vastos volumes de dados compilados por meio de sua “invasão” nos sistemas digitais e na vida do usuário – é uma poderosa máquina de bisbilhotagem
Estados Unidos, Canadá, Bélgica, República Tcheca, França, Reino Unido, Dinamarca e Nova Zelândia foram os primeiros países a proibir a instalação do aplicativo em celulares governamentais, devido a problemas de segurança e privacidade. No mundo empresarial a lista é gigantesca. Empresas de tecnologia, bancos, consultorias, líderes do varejo e empresas de mídia baixaram normas estritas. Além de proibir o TikTok em seus aparelhos corporativos, têm emitido recomendações crescentes para que seus empregados em funções críticas evitem o aplicativo em seus celulares pessoais.
Nos Estados Unidos, o Congresso está no centro de um debate acalorado. Os representantes aprovaram uma lei que coloca o app chinês na berlinda, obrigando o ByteDance ou a se desfazer da operação nos Estados Unidos, vendendo-a para novos donos locais, ou a fazer as malas e ir embora do mercado americano.
Os legisladores americanos se convenceram dos riscos associados ao TikTok, que eles passaram a considerar uma ameaça significativa à segurança nacional e à privacidade dos americanos devido à coleta de informações sensíveis que podem ser utilizadas para fins maliciosos.
Sob a perspectiva dos cidadãos, o TikTok – com sua capacidade de coletar e analisar vastos volumes de dados compilados por meio de sua “invasão” nos sistemas digitais e na vida do usuário – é uma poderosa máquina de bisbilhotagem. Por meio de seus algoritmos, é possível criar um perfil detalhado de cada usuário, revelando suas preferências, comportamentos e até mesmo suas vulnerabilidades.
Sob a perspectiva da segurança nacional e até mesmo da democracia, o TikTok tem o poder de moderação de conteúdo e de intervenção em temas sensíveis, como eleições, seja por meio de censura, seja por meio de manipulação política.
Em 2020, o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, iniciou uma batalha contra o aplicativo. Ameaçou banir, mas, por medo de perder votos dos usuários em sua campanha de reeleição, ele não saiu do lugar. Mesmo assim, naquele ano, durante a campanha presidencial, da qual saiu derrotado, Trump levou uma surra dos tiktokers.
Ironicamente, os chineses deverão ser salvos pelo pessoal de bonezinho vermelho com os dizeres “Make America Great Again”
Ninguém sabe exatamente como começou (é sempre assim; é sempre fácil assim para quem quer manipular), mas um movimento para sabotar os comícios de Trump foi muito bem-sucedido no TikTok. Centenas de milhares de usuários foram instados a solicitar ingressos para entrar nos eventos do presidente-candidato. A campanha de Trump chegou a acreditar que em um deles, nada menos que 500 mil pessoas apareceriam para acompanhar o discurso do candidato. Mas pouco mais de 6 mil apareceram de fato, deixando uma imagem de fracasso na paisagem esvaziada do evento.
A estratégia foi ocupar ao máximo as redes, evitando que eleitores reais pedissem os ingressos e criando uma imagem superdimensionada para humilhar o ex-presidente. O truque se repetiu outras vezes e se transformou em uma pedra no sapato de Trump.
A imprensa tratou o caso como uma ação popular contra o ex-presidente. Mas a falta de vestígios e o curioso desaparecimento das postagens, que tornou impossível rastrear os autores e até mesmo identificar o plano com antecedência, parece não ser algo trivial, típico de adolescentes dançarinos.
Agora, que democratas e republicanos se uniram para barrar a ameaça de espionagem chinesa por meio do aplicativo, Trump se insurgiu.
Não que ele tenha mudado de ideia sobre o TikTok. Mas Trump prefere ver os chineses em ação a acreditar que, com o banimento do aplicativo, Mark Zuckerberg seria beneficiado. O dono da Meta é, segundo Trump, um dos principais manipuladores das eleições de 2020. Aliados do ex-presidente atribuem a Zuckerberg um nível de interferência que teria sido decisivo para levar Joe Biden à Casa Branca.
A conta de Trump também envolve a sua base. Trumpistas também fazem dancinhas no app chinês. Ele não quer ver seus eleitores enraivecidos pelo banimento do programa.
Mas seria só isso? Claro que não.
O jogo no terreno pantanoso da política vai além. Um dos maiores doadores do Partido Republicano tem 15% das ações da empresa guarda-chuva do TikTok. Dois dos lobistas que atuam pela TikTok eram assessores graduados de Trump na Casa Branca. Gente que está ganhando um dinheirão para defender os interesses da empresa seja no Congresso, seja nas entranhas do Partido Republicano e na mente de Trump.
Ironicamente, os chineses deverão ser salvos pelo pessoal de bonezinho vermelho com os dizeres “Make America Great Again”.
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