Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Leonardo Coutinho

Leonardo Coutinho

Brasil, América Latina, mundo (não necessariamente nesta ordem)

Estados Unidos

Trump e o Canal do Panamá: imperialismo ou salvação?

Sindicalistas do Panamá protestam contra Donald Trump por conta de suas declarações sobre o Canal. (Foto: EFE/ Bienvenido Velasco)

Ouça este conteúdo

As pretensões de Donald Trump em relação ao Canal do Panamá são apenas sintomas da personalidade ou do potencial expansionismo do novo presidente dos Estados Unidos, ou são uma resposta a um problema que pode ser de todos nós? 

Trump fez questão de demarcar, em seu discurso de posse, a relevância do Canal do Panamá para os Estados Unidos e deixou claro que o país considera seriamente pedir de volta a passagem que conecta os Oceanos Pacífico e Atlântico. Construído pelos americanos no início do século passado, o canal foi repassado para os panamenhos em 1999, como parte de um acordo firmado vinte e dois anos antes pelo então presidente Jimmy Carter. 

As exigências americanas eram poucas. Não discriminação de nenhuma nação no trânsito interoceânico, prioridade para o trânsito dos navios militares dos Estados Unidos e proteção contra a interferência estrangeira (que em 1977 era basicamente a União Soviética e Cuba). Mas o mundo mudou. 

O Canal do Panamá é rota de 6% de todo o comércio marítimo mundial. Nada menos que 40% do tráfego de contêineres dos Estados Unidos, avaliado em aproximadamente 270 bilhões de dólares anuais, transitam pelo canal. O peso dos americanos nas operações é tão colossal que 75% do tráfego do canal tem como origem ou destino os Estados Unidos. Qualquer disfunção no funcionamento do canal pode ter impactos fatais para economia americana com reflexos nocivos para o mundo. 

No biênio 2023 e 2024 uma dessas disfunções expôs a vulnerabilidade do Canal do Panamá a eventos climáticos extremos. As restrições impostas para conservar água tiveram impactos significativos no trânsito de navios e no comércio global. A Autoridade do Canal do Panamá reduziu o número de trânsitos diários de 36 para até 22 devido aos baixos níveis de água no Lago Gatún, que é a porção de água doce que permite que os navios naveguem entre as duas eclusas que, como elevadores, permitem que as embarcações subam e desçam ao nível do mar. 

Além disso, os panamenhos reduziram o calado máximo permitido de 50 para 44 pés. Isso impediu que navios maiores ou mais carregados transitassem pelo canal. As mudanças provocadas pela escassez de água resultaram em uma diminuição de 20% no total de trânsitos anuais.

Qualquer disfunção no funcionamento do canal pode ter impactos fatais para economia americana com reflexos nocivos para o mundo

Nos Estados Unidos, o impacto se resumiu em desabastecimento e inflação. As restrições no canal levaram a uma redução de 10% nos volumes de importação para os portos da Costa Leste e do Golfo do México. O Porto de Houston, no Texas, registrou uma queda de 26,7% no movimento. 

Engana-se, entretanto, quem pensa que esse impacto é sentido apenas pelos americanos. Todo mundo está pagando mais caro pelo frete, tarifas e pelo tempo de viagem. Impactos que são agravados por outras instabilidades como o terrorismo do Houthis no Mar Vermelho e a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia. 

Washington suspeita que os panamenhos não fizeram bem o trabalho de mitigar os efeitos da seca. As possíveis causas vão desde o coquetel de incompetência e corrupção a interferência da China no canal. 

Este último tema é que tem causado mais barulho. Empresas privadas, com fortes conexões com o Partido Comunista Chinês, ergueram terminais nas duas pontas do canal. Embora elas não possam ser diretamente acusadas de mandar no canal, eles têm exercido forte influência sobre os panamenhos em geral – justificando o receio sobre a independência da administração. 

O governo do Panamá nega a influência. O simples fato de as empresas chinesas estarem instaladas e controlando indiretamente o canal por meio da corrupção das autoridades locais não são suficientes para dizer que a China dá as cartas por lá. O difícil vai ser convencer Donald Trump disso. 

Os Estados Unidos deverão alegar que houve uma violação do Tratado de Neutralidade do Canal, assinado em 1977. Caso que deve desaguar em algum tribunal internacional. Isso porque, a “batalha” pelo canal vai além do campo simbólico contra o avanço da China na região. Ela se trata de preservar um recurso estratégico para os Estados Unidos e para a economia global. 

Os desdobramentos disso são incertos e possivelmente Trump não consiga efetivamente tomar o Canal do Panamá de volta. Mas ao subir o tom ele certamente forçará uma mudança na região e levará o Panamá a cuidar melhor do ativo que recebeu de presente. Por vias muito polêmicas e muitas vezes mal-entendidas, o movimento de Trump pode estar fazendo um movimento que não só salvará o canal, mas ajudará todos nós que dependemos dele.

Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.