Na noite da terça-feira, 3 de novembro, dia das eleições nos Estados Unidos, parecia que o presidente Donald Trump seria reeleito. Desafiando todos os prognósticos, o republicano avançava sobre Joe Biden. Uma jornalista lamentou que o destino do mundo estava nas mãos de suburbanos americanos. Um professor disse que os latinos que vivem na América gostam de cavar a própria cova. O analista famoso puxou da cartola que as fake news em espanhol teriam, segundo ele, induzido os votos por Trump no Texas e na Flórida. Outro sujeito foi além. Escorou-se na tese dos “deploráveis” que em 2016 Hillary Clinton usou para definir os eleitores republicanos. Mas Trump não ganhou.
Na manhã seguinte, tudo pareceu voltar ao normal. E os votos em favor de Biden foram mostrando que Trump começava a ficar para trás. A alegria voltou às redes sociais.
Passados três dias de apuração, o quadro estava claro, mas não definido. Biden eleito. Com a virada em Estados como a Pensilvânia e Georgia – fundamentais para Trump – os número antecipados pela imprensa americana selaram a derrota de Trump.
Enquanto esta coluna é escrita, Donald Trump fala em recorrer. Fala em pedir a recontagem em estados onde a diferença foi apertada ou onde ele acusa terem ocorrido fraudes. Se ele mantiver essa posição, adiará o resultado em semanas, podendo levar a briga para Suprema Corte. Janeiro não seria um horizonte exagerado para solução do impasse.
Ainda que sejam remotas as chances de mudar o resultado na Suprema Corte, Trump sairia derrotado. Não há a menor chance de que sua legitimidade seja minada. Implodida pela opinião pública dentro e fora dos Estados Unidos, que já tem uma posição fortemente demarcada contra ele.
Em um cenário em que as recontagens provem a ocorrência de fraudes eleitorais e as Justiças estaduais ou a Suprema Corte dos Estados Unidos revisem os resultados, Trump será tratado como um golpista que não soube perder. São abaixo de zero as chances de alguém reprovar Biden e seus apoiadores por terem metido a mão na eleição.
Não há disposição para as pessoas aceitarem o fato de que existem fraudes nas eleições dos Estados Unidos. Tampouco discutir que o voto pelo correio é uma porta aberta para burlas.
Trump perdeu. Perdeu feio. E perdeu para ele mesmo. E perdeu a capacidade de se defender.
Sua votação colossal foi dada pelos seus acertos na condução da economia e na reconstrução do país que se não fosse a pandemia de Covid-19 teria chegado aqui com os melhores índices de emprego de sua história.
Muitas minorias que foram esculhambadas por “cavar a própria cova” votaram em Trump por reconhecer a melhoria de vida em seu governo. É básico considerar que são aqueles que estão nos níveis mais baixos da escala de salários que sentem mais rapidamente os efeitos da melhoria da economia. O mesmo princípio se aplica nas crises. Nesse quesito, Trump foi mais premiado que punido com seus quase 70 milhões de votos.
Trump era o candidato único. Mas a Covid-19 mudou tudo. Biden ficou trancado em seu porão por semanas – com medo do vírus – enquanto Trump colocava lenha na fogueira apanhando justamente pelos seus erros, mas sobretudo pelo simples fato de ele ser quem é.
Cercado por assessores que minimizaram os efeitos da Covid-19, Trump fez movimentos que deram aos democratas muito combustível para a disputa. Isso talvez não tenha feito Trump perder votos, mas levou muita gente a votar contra ele – mesmo em um candidato ruim, por se tratar do único recurso para se livrar do presidente que levou a culpa por algo que aterrorizou muita gente no país.
Comparado com 2016, Trump obteve, até o momento, um crescimento de 11% no número de votos recebidos. Biden conquistou 12% a mais que Hillary naquele mesmo ano, que vale ressaltar, embora tenha perdido a eleição no colégio eleitoral havia recebido o maior número de votos populares.
Errou quem apostou que Biden venceria com uma lavada monumental. Trump perdeu de forma monumental e assustadoramente colocada em dúvida por causa de um sistema eleitoral cheio de buracos passível de fraudes.
Também errei ao acreditar que apesar das fragilidades do sistema eleitoral americano, Trump venceria. Os argumentos da minha tese foram publicados no meu site. Em resumo eu dizia que menosprezar o eleitor de Trump era o erro capital dos analistas. As pesquisas não estavam captando um fenômeno que são as pessoas que não respeitam mais a imprensa e nem os institutos. A imprensa, por sinal, paga por isso, por frases como as que citei no início do texto. O pessoal não aprende a entender as bases do país. Segue achando que o mundo é a bolha do eixo Nova York-Washington-São Francisco.
Os Estados Unidos saem desta eleição, assim como ocorreu em 2016, divididos. Mas a fissura que separa esses dois mundos parece ter se dilatado deste então. O desafio de Biden, penso eu, será impedir que ela não se amplie mais. Mas suspeito que ele não tem capacidade para isso. Aliás, não tem disposição para impedir.
O que virá depois disso? Minha cota de prognósticos se esgotou na temporada. Só posso dizer que não sou otimista.
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