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Leonardo Coutinho

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Brasil, América Latina, mundo (não necessariamente nesta ordem)

Direitos Humanos

Um casal foi preso e surrado por dançar no Irã. O que o ministro Silvio Almeida tem a dizer sobre isso?

Astiyazh Haghighi, de 21 anos, e Amir Mohammad Ahmadi, de 22 anos, foram condenados a cinco anos de prisão sob acusações de crime “contra a segurança nacional” e “propaganda contra o governo”. Os crimes de Astiyazh e Amir foram o de ousar experimentar a liberdade de dançar ao ar livre em uma noite de Teerã (Foto: Reprodução)

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Bem no centro de Teerã, a capital do Irã, reluz um monumento espetacular que foi concluído no início da década de 1970 em homenagem aos 2.500 anos do Império persa. Em 1979, quando os aiatolás deram um golpe de Estado e instituíram a teocracia, que até hoje comanda o país, a construção de 45 metros de altura, que até então era chamada de Memorial ao Reis, passou a ser chamada de “Torre da Liberdade”.

O nome foi estrategicamente escolhido para demarcar o fim do Irã imperial. Como se isso tivesse alguma relação direta com a tal “liberdade” que a moçada celebrava nas ruas do país, no calor da revolução comandada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini.

O Irã que emergiu daqueles atos é um país marcado pela censura, tortura, perseguições, prisões arbitrárias, assassinatos. O Irã, cujo monumento principal faz uma homenagem à liberdade, não tolera quem se atreve a tentar experimentar o que é ser livre.

O exemplo mais recente vem da condenação a cinco anos de prisão de um casal de namorados que ousou dançar à Torre Azadi (a tal torre da liberdade). O vídeo que mostra o casal sorridente e seus movimentos sincronizados foi postado nas redes sociais em novembro do ano passado, no contexto das manifestações pela morte de Mahsa Amini – uma jovem de 22 anos que morreu nas mãos da polícia, depois de ser presa por ter se recusado a cobrir os cabelos, como prevê a lei islâmica.

Astiyazh Haghighi, de 21 anos, e Amir Mohammad Ahmadi, de 22 anos, foram condenados a cinco anos de prisão sob acusações de crime “contra a segurança nacional” e “propaganda contra o governo”. Os crimes de Astiyazh e Amir foram o de ousar experimentar a liberdade de dançar ao ar livre em uma noite de Teerã, tendo o monumento que leva o nome de Liberdade como cenário.

As contas de Instagram do casal, por sinal, podem vir a servir de justificativa para mais uma série de retaliações. Astiyazh não dava a mínima para as regras estritas dos aiatolás. Posa sem véu e tenta viver, pelo menos nas fotografias, uma experiência de liberdade que o regime iraniano nega aos seus cidadãos. Sem atualização, sua conta no Instagram segue como um monumento de uma juventude que tentou se esquivar de um dos regimes mais brutais do planeta. A falta de atualização serve para lembrar que sua dona está na prisão.

Relatórios independentes falam na condenação de pelo menos 763 iranianos pelos protestos “antirrevolucionários”. Muitos (ou todos?) foram espancados e torturados. Organizações de direitos humanos que atuam no país relatam que o casal de dançarinos estão entre aqueles que foram surrados nas masmorras do regime.

Desde que centenas de protestos eclodiram no Irã, em decorrência da violência brutal que o regime tem usado para reprimir as pessoas que foram às ruas defender os direitos das mulheres, o regime intensificou ainda mais os mecanismos de repressão. Como lição, condenou à morte, em julgamentos relâmpagos, uma série de manifestantes. Entre aqueles que foram enforcados em praça pública estão um ator, um médico, um rapper, um barbeiro... Não há restrições de classe ou função.

Não custa lembrar que no Irã, os enforcamentos são marcados em praça pública com a convocação da população que se junta em multidões para assistir o espetáculo mórbido. Não custa lembrar que no Irã, os enforcamentos não se dão em cadafalsos — aquela estrutura em que o condenado com uma corda atada ao pescoço cai em um vão e morre rapidamente em consequência da lesão provocada pelo impacto de seu próprio peso.

O Irã tem um modo bem singular de matar seus condenados. Usa guindastes para içar as vítimas do chão. Ao invés de a pessoa morrer imediatamente, ela agoniza. Sofre diante dos olhos de uma plateia que também recebe uma lição. “Você pode estar pendurado aqui se trair os valores da revolução” (segue um registro perturbador de um enforcamento, mas só clique se realmente estiver disposto a ver algo tão horrendo).

Em janeiro, o embaixador do Irã no Brasil, Hossein Gharibi, foi recebido pelo ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida. Gharibi postou um registro do encontro e dos largos sorrisos de ambos, em sua conta do Twitter. Em farsi ele escreveu que o diálogo com Almeida foi excelente a fim de estabelecer uma “colaboração e intercâmbio de experiências em direitos humanos”. Ao fim de sua mensagem, o iraniano disse que o “abuso político e os duplos padrões são os grandes inimigos da promoção dos direitos humanos”.

A versão do encontro é de Gharibi. Almeida nunca se expressou sobre o evento. Mas seria interessante saber se a tal “colaboração e intercâmbio de experiências” é para o Irã ficar mais parecido com o Brasil, ou se é para o Brasil ficar cada vez mais parecido com o Irã.

Não vai acontecer nem uma coisa nem outra. O que importa, no caso, é que o silêncio de um dos lados fala mais que a propaganda feita pelo outro.

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