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O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), o eritreu Tedros Adhanom Ghebreyesus, escapou da morte por pouco em um episódio em que Israel bombardeou o Aeroporto Internacional de Sanaa, a capital do Iêmen. As imagens do circuito de segurança da sala de espera destinada às autoridades mostram Ghebreyesus e sua comitiva aguardando tranquilamente pelo embarque, quando algumas explosões foram registradas a poucos metros do local.
O vídeo mostra Ghebreyesus e seu pessoal sendo retirados às pressas do recinto. Ninguém da OMS ou da Organização das Nações Unidas saiu ferido do ataque. Em nota, o chefe da OMS informou que um tripulante de seu avião ficou ferido.
O que Tedros Adhanom Ghebreyesus estava fazendo em um país em guerra civil – e justamente na área controlada pelos terroristas que tocam fogo no país? Oficialmente, o chefe da OMS foi ao Iêmen para negociar, pessoalmente, a libertação de funcionários da organização que são mantidos como reféns pelos houthis, que controlam parte do Iêmen.
A ida de Ghebreyesus ao epicentro da crise não faz sentido algum, dentro da versão oficial de sua visita ao Iêmen
De imediato, alguém pode pensar quão nobre é o ato de um dirigente máximo de um organismo multilateral da dimensão da OMS se abalar da plácida Genebra, na Suíça, para se meter em um atoleiro repleto de terroristas da pior espécie, colocando a si e as seus auxiliares mais próximos sob o risco de também se tornarem reféns ou coisa pior. No entanto, por trás do altruísmo oficial de Ghebreyesus há uma esdrúxula quebra dos protocolos da ONU e de suas organizações, no que se refere a crises com reféns envolvendo seus quadros.
O procedimento padrão é enviar negociadores profissionais, quase sempre terceirizados, ou contar com a mediação de Estados neutros no conflito. Tanto a ONU quanto a OMS ou qualquer outro organismo multilateral não pagam resgates. Evitam isso para estimular novos sequestros. Em muitos casos, as seguradoras contratadas para proteger os funcionários dessas organizações é que entram em ação com seus grupos de negociação para evitar que o pior aconteça.
A ida de Ghebreyesus ao epicentro da crise não faz sentido algum, dentro da versão oficial de sua visita ao Iêmen. Portanto, o insólito não foi o bombardeio de Israel ao aeroporto, mas a presença de Ghebreyesus e sua comitiva por lá. Os mísseis israelenses foram uma resposta aos constantes ataques que os houthis fazem a Israel. Teleguiados pelo Irã, os terroristas que lutam pelo controle do Iêmen e já dominam fatias importantes do território, nas quais se inclui a capital Sanaa, são uma das forças de desestabilização regional mais preocupantes.
Além de fazerem parte da linha de ataque ao Estado de Israel, os interlocutores de Ghebreyesus são nada mais nada menos que o pesadelo das empresas de transporte marítimo que navegam. Desde que eles passaram a atacar os cargueiros que navegam pelo Mar Vermelho – em um atalho entre a Ásia e Europa –, eles passaram a obrigar as empresas a fazer uma escolha: correr risco de sequestro, morte e danos materiais, ou estender a viagem em 4 mil milhas, agregando mais de dez dias ao tempo no mar, para evitar a rota dominada pelos terroristas.
O resultado não é inofensivo. O custo do frete entre a Ásia e o Mediterrâneo aumentou 280% entre outubro de 2023 e outubro de 2024. O custo do seguro de risco de guerra, que antes era, em média, de 0,07% do valor de um navio, agora subiu para 2%. Despesas que recaem sobre os preços finais dos produtos, gerando inflação. E os atrasos, além de impactarem nos preços, também resultam em escassez.
Tedros Ghebreyesus não foi ao Iêmen se reunir com um governo regular. Com políticos convencionais. Ele esteve frente a frente com uma organização terrorista que deu origem a uma guerra civil e uma das maiores tragédias humanitárias das últimas décadas, que promove atentados, sequestros e uma série de crimes desestabilizando a política regional, o comércio global e influenciando inclusive na inflação em vários países.
A versão oficial sobre o que o chefão da OMS foi fazer no Iêmen não explica tamanho risco. Há algo mais e pode não ser bonito.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos