O desenvolvimento da Amazônia não pode depender de decisões tomadas a milhares de quilômetros de distância, que configuram uma agenda cujo resultado é submeter a região a um processo de “subdesenvolvimento sustentável”.
Neste cenário, a Amazônia tornou-se uma colônia burocrática de Brasília sob forte influência de propostas prontas externas ao país, que nada significam de concreto para a região, cujo vasto potencial de desenvolvimento necessita de políticas públicas testadas no mundo real, e não no mundo da ficção ambiental.
Conhecimento X Ideologias
Este breve sumário representa a essência do pensamento do engenheiro-agrônomo Alfredo Homma, veterano pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental e um dos maiores cientistas amazônicos. Homma possui mais de meio século de conhecimento acumulado sobre os potenciais produtivos e as necessidades reais da região para superar o subdesenvolvimento crônico ao qual tem sido submetida.
Entretanto, apesar do seu respeitável currículo, é praticamente desconhecido fora da região e virtualmente ignorado pelos formuladores de políticas brasilienses e, ainda com mais motivos, pelos “ongueiros” e outros candidatos a “salvadores da Amazônia”, inclusive no meio científico incorporado à cruzada salvacionista.
Cientistas que, a propósito, trataremos em um futuro artigo sobre as suas teses mirabolantes que subvertem o método científico, partindo de cenários catastrofistas para a confecção de modelos matemáticos com vínculos escassos ou nulos com o mundo real, caso do notório “ponto de inflexão” para a degradação do bioma Amazônia, fenômeno não observado antes em nenhum dos seis biomas brasileiros.
Voltando a Alfredo Homma, como outros amazônidas lúcidos e pragmáticos, ele é crítico da ênfase exagerada na bioeconomia como o principal vetor econômico para a região, a qual considera um “discurso abstrato”.
Como escreveu nos “Prolegômenos” do livro E temos dito! Crônicas e artigos da luta e da vida na floresta – Vol. 2, dos sociólogos Lúcio Moraes Carril e Aldenor da Silva Ferreira (Alexa Cultural, São Paulo, 2024), é necessário “quebrar o círculo vicioso da pobreza, sair do discurso abstrato da bioeconomia para algo concreto, para que não sejamos vítimas de políticas públicas sem antes o devido teste na prática, entre outros”.
Círculo vicioso que ele define como “subdesenvolvimento sustentado”, incapaz de ser superado com as agendas propostas de fora da região. E aduz: “Há muita fantasia sobre a Amazônia. Existe a ficção científica e a policial, já consagradas na literatura mundial. Estamos criando na Amazônia outros gêneros de ficção, que seriam a agrícola e a ambiental. Fala-se muito em Agricultura 6.0 na Amazônia, quando, na verdade, precisamos ainda melhorar a Agricultura 1.0. Tem-se na Amazônia um quadro vergonhoso de pobreza e miséria, com pessoas morrendo de doenças comuns no século XIX.”
No tocante aos pequenos produtores, que representam 83% do setor, Homma afirma que eles “necessitam de algo mais simples, como novas variedades, adubos, mecanização agrícola, novos produtos, mercado, assistência técnica especializada, crédito e questão fundiária, em suma, de melhorias na agricultura tradicional (Agricultura 1.0) (Em: “Amazônia pré-COP30. Quais os caminhos?”, Revista de Política Agrícola, vol. 33, 2024),”.
Não sem um toque de ironia, observa que as populações da Amazônia “anseiam por inovações como água potável, energia elétrica, postos de saúde, escolas, comunicação e transporte”.
Nos “Prolegômenos”, faz a seguinte advertência sobre a conferência climática COP-30, que será realizada em Belém (PA), em novembro de 2025: “Presume-se que não seja o start para uma paralisia das atividades produtivas, mas que haja o entendimento de que é possível uma agricultura tropical mais sustentável para a Região Amazônica, com o potencial de redução de parte da pobreza rural, dos custos dos alimentos e do aumento do poder de compra das populações urbanas.”
Atividades produtivas
No artigo citado, ele apresenta assim o dilema: “A área desmatada constitui a Segunda Natureza e a floresta intocada, a Primeira Natureza. O desafio seria como transformar uma parte da Segunda Natureza em uma Terceira Natureza, com atividades produtivas mais adequadas. Quase todos os países desenvolvidos constituem a Terceira Natureza.”
No entanto, admite que, em relação à Amazônia, “há uma certa antipatia por lavouras de grãos e perenes em monoculturas, pecuária, reflorestamento, mineração, hidrelétricas e ferrovias”, entre outros exemplos de atividades econômicas modernas que os pretensos “salvadores” da floresta e dos cerrados pretendem manter longe da região.
A sua receita é bem diferente: “É preciso aumentar a produtividade, reduzir as áreas de pastos, recompor as áreas de reserva legal e de preservação permanente, com sentido econômico, reflorestar (com espécies nativas e exóticas), para apressar a transição florestal. Criar barreiras ou dificuldades para reduzir a capacidade produtiva dos médios e grandes produtores significa aumentar a pobreza da região.”
Para assegurar o necessário aumento de produtividade, Homma enfatiza que é necessário explorar “as jazidas de calcário, potássio e fosfato da região, produtos dos quais o país é grande importador”.
Igualmente, é preciso garantir a segurança fundiária e modernizar as instituições agrícolas estaduais e municipais, “mais sintonizadas com as aspirações da população local” do que as federais.
E, evidentemente, investir na malha viária – “ferrovias, hidrovias, portos e melhoria das vias já abertas”. Entre elas, inclui a polêmica rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho): “A seca de 2023 sinalizou a importância desse eixo, que permitiria a conexão de Manaus e Boa Vista com todos os estados.”
O seguinte parágrafo precisaria ser emoldurado e pendurado em todas as repartições ambientais de Brasília, com a obrigação de que os tecnocratas federais o recitassem pelo menos uma vez por dia: “Não é a paralisia das atividades econômicas que vai reduzir os desmatamentos e as queimadas. Com o aumento da produtividade, a contínua oferta tecnológica e a melhoria da renda, da infraestrutura e do capital social, é que teremos uma Amazônia mais sustentável. Uma política agrícola é tão importante quanto uma política ambiental para se caminhar para uma agricultura mais sustentável pra pequenos, médios e grandes produtores da região, ou seja, uma Amazônia com melhoria das condições de vida e coevoluindo com o desenvolvimento do País, com a transição florestal em andamento e uma agricultura voltada para a fronteira interna já conquistada.”
É mais que passada a hora de os destinos da Amazônia serem confiados aos que nela vivem e conhecem de perto a sua realidade, para que esse deplorável quadro de “subdesenvolvimento sustentável” seja definitivamente deixado para trás.
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