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O principal candidato do partido de direita Alternativa para a Alemanha (AfD), Joerg Urban, e a copresidente do Partido Verde da Alemanha (Die Gruenen), Ricarda Lang.
O principal candidato do partido de direita Alternativa para a Alemanha (AfD), Joerg Urban, e a copresidente do Partido Verde da Alemanha (Die Gruenen), Ricarda Lang.| Foto: Filip Singer/EFE/EPA

Além de carbonizar os Verdes como força política na Alemanha, as eleições de 1º de setembro nos estados da Saxônia e Turíngia, no Leste do país, deflagraram um terremoto político, cujas “réplicas” estão abalando os pilares de sustentação do sistema de poder euro-atlântico, ao qual, nas últimas décadas, as lideranças políticas alemãs “terceirizaram” a soberania do país.

Os pleitos assinalaram uma fragorosa rejeição aos três partidos da coalizão governista do chanceler Olaf Scholz – além dos Verdes, o SPD social-democrata e o ultraliberal FDP –, cujas votações não saíram de um dígito. Em troca, os grandes vitoriosos foram a Alternativa para a Alemanha (AfD) e a recém-criada Aliança Sahra Wagenknecht (BSW), situados em campos opostos do espectro ideológico tradicional, mas convergentes em questões-chave como a oposição ao apoio à Ucrânia na guerra com a Rússia e o descontrole com a imigração.

Na Turíngia, a AfD levou 32,8% dos votos, à frente da União Democrata-Cristã (CDU), com 23,6%, e da BSW, com 15,8% (o SPD e os Verdes não passaram, respectivamente, de 6,1% e 3,2%). Na Saxônia, a CDU ficou em primeiro com 31,9%, com a AfD logo atrás, 30,6%, e a BSW em terceiro com 12% (os Verdes ficaram com 8,6%, o SPD com 7,7% e o FDP com 4,5%). Lembrando que a cláusula de barreira de 5% determina que os partidos que não atingirem esta votação não terão representantes nos parlamentos estaduais.

Em 22 de setembro haverá eleições em Brandenburgo, também no Leste, com as pesquisas de intenção de voto apontando o favoritismo da AfD, seguida pela CDU, SPD e BSW, nesta ordem; como na Turíngia e Saxônia, os Verdes e o FDP não atingem os dois dígitos.

Igualmente relevante foi o fato de o comparecimento às urnas ter se situado em torno de 75%, acima dos 60-65% de eleições anteriores, o que reforça o “recado” enviado ao governo pelo eleitorado.

O desgaste da coalizão governista já ficara evidenciado nas eleições de junho último para o Parlamento Europeu (PE), quando o SPD e os Verdes ficaram atrás da aliança CDU-CSU (Social-Cristã) e da AfD, e a votação da BSW superou a do FDP. De resto, o bloco “verde” perdeu 19 das 71 cadeiras que detinha e caiu da quarta para a sexta posição no PE, com a sua influência em franco declínio.

As causas do desgaste são variadas, começando pelo apoio acrítico e sem limites à Ucrânia, que resultou na interrupção dos fornecimentos de gás natural e petróleo baratos da Rússia, insumos básicos vitais para a poderosa indústria alemã

Um tiro no pé que foi simbolizado pela vexaminosa e submissa atitude de Scholz diante da sabotagem dos gasodutos Nord Stream pelos EUA, antecipada na sua presença por ninguém menos que o presidente Joe Biden. Episódio que se refletiu no estado de espírito de eleitores indignados com o menosprezo à soberania nacional e foi considerado pelo respeitado político Oskar Lafontaine, marido da líder do BSW, como um ato de guerra contra a Alemanha.

Para piorar, a Alemanha foi obrigada a continuar importando hidrocarbonetos russos, mas via Índia, pagando preços bem maiores que os dos anteriores contratos de longo prazo com a Rússia. 

Mas os problemas de energia antecedem a guerra na Ucrânia. Um fator crucial é a desastrosa “transição energética” (Energiewende) adotada pelas lideranças alemãs desde o início do século, como parte da pretensão de converter o país na “potência verde” líder na nova era da “descarbonização” da economia mundial. Decisão na qual os critérios econômicos e tecnológicos, sem falar no mero bom senso, foram subordinados ao marco ideológico, fortemente influenciado pelos Verdes, antes mesmo de entrarem no governo da chanceler Angela Merkel (2005-2021).

Para limitar-nos apenas à geração de eletricidade, entre 2002 e 2021, foram investidos mais de €400 bilhões para praticamente duplicar a capacidade instalada, que passou de 115 para 222 gigawatts, a maioria com centrais eólicas e solares. Apesar disto, a geração bruta de eletricidade aumentou menos de 2% entre 2002 e 2020, de 587 para 598 terawatts.hora, devido à intermitência das “ecológicas” eólicas e solares, que, ademais, necessitam de fortes – e lentos – investimentos em novas linhas de transmissão e na estabilização do sistema elétrico, para ajustar a sua geração em corrente contínua às existentes linhas de transmissão em corrente alternada. 

Outro alvo da Energiewende foi a geração nuclear, que no início do século fornecia cerca de 25% da eletricidade consumida no país, mas foi reduzida a zero, com as últimas usinas em operação sendo desativadas em 2023. 

Uma consequência direta foi a drástica escalada dos custos, principalmente, para a indústria alemã, altamente intensiva em eletricidade, vendo as tarifas praticamente triplicarem no período, disparando de 6,9 para 17,8 centavos de euro por kWh, sendo os mais elevados do G-20, já antes da guerra na Ucrânia. Aumento que foi ainda maior para os consumidores residenciais, além de promover uma inusitada desindustrialização da maior potência econômica europeia, com um número crescente de empresas deixando o país em busca de custos menores, como advertem as lideranças do setor. 

Particularmente afetadas são as pequenas e médias empresas (Mittelstand), que proporcionam o grosso dos postos de trabalho bem remunerados.

Por outro lado, a opção por fontes de baixa densidade energética constitui um virtual retrocesso tecnológico, inclusive, pelo fato contraditório de os componentes básicos dos equipamentos de geração eólica e solar não poderem ser manufaturados a partir de tais fontes. 

A rigor, uma transição energética efetiva deve envolver fontes de maior densidade e eficiência energética, como as tecnologias nucleares mais avançadas, inclusive reatores de fissão modulares e o desenvolvimento da fusão nuclear. E não é por acaso que a própria presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, apesar de ser uma das principais propagandistas e promotoras da  “agenda verde” (Green New Deal), já defende a retomada da energia nuclear na Alemanha.

O choque de realidade experimentado pela Alemanha com uma transição energética motivada pela ideologia “verde” deve ser atentamente observado pelos brasileiros, cujas lideranças parecem iludidas pela possibilidade de converter o país em um fornecedor de “serviços ambientais” ao mundo. 

O rótulo de “potência verde” pode soar bem em convescotes internacionais e como peça de marketing, mas, como os alemães estão descobrindo a duras penas, não tem correspondência com os requisitos do mundo real.

Por aqui, ainda está a tempo de mudar de rumo.

Conteúdo editado por:Aline Menezes
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