“Temos os melhores indicadores ambientais do Brasil, mas temos os piores indicadores sociais e econômicos do Brasil. Quer coisa mais insustentável do que isso? Isso torna o discurso da sustentabilidade uma fraude. Temos o estado mais preservado do país, talvez do mundo, mas [que está] na pobreza. Querem ajudar a Amazônia amapaense ou amazônica? Vamos desenvolver este território econômica e socialmente.”
O oportuno desabafo foi feito pelo governador do Amapá, Clécio Luís, em uma entrevista ao jornal Valor Econômico de 16 de outubro. O chefe do Executivo amapaense é um ferrenho crítico do radicalismo da tecnocracia ambiental, que parece estar mobilizada para bloquear todo e qualquer empreendimento produtivo ou de infraestrutura de certo porte no país, em favor de uma visão idílica da proteção do meio ambiente e dos povos indígenas.
Na entrevista, ele fez outras críticas pertinentes, que ressaltam a contradição intrínseca entre a agenda “verde” prevalecente no Brasil. Além das necessidades e aspirações de desenvolvimento e progresso da sociedade, agravada pelo alheamento das realidades locais pelos tecnocratas ambientais, pautados por preceitos – e preconceitos – muito mais ideológicos do que, propriamente, científicos e técnicos.
“A política do desmatamento zero, por exemplo. Falta uma palavra aí. O que deve ser zero é o desmatamento ilegal. O agricultor, o indígena, precisa fazer a roça dele. Na Amazônia, você planta mandioca, colhe e aí deixa aquela terra para descansar. Quando volta, depois de dois ou três anos, virou uma floresta ali e tem de suprimir a vegetação de novo. Isto não pode ser considerado desmatamento”, afirmou.
Com a mesma ênfase, ele disparou contra o que chama a “romantização” da preservação da Amazônia: “Entre o extremo de romantizar e o extremo de paralisar a Amazônia como ‘santuário’, o caminho do meio é dizer: ‘fizemos o dever de casa, a duras penas, mas a população está na pobreza e precisamos encontrar meios de desenvolvê-la. Não tem outra forma’.”
Para ele, é preciso rechaçar “o discurso enlatado estrangeiro” de que é preciso “preservar ainda mais” a Amazônia, sem que se possa explorar a região.
A propósito da conferência climática COP-30, que será realizada em Belém (PA), em novembro do próximo ano, ele enfatizou que “seria e será muito ruim” se os participantes comprassem “colarzinhos de miçangas”, tirassem fotos “com lideranças indígenas” e saíssem do evento com “uma visão romantizada” da Floresta Amazônica.
Aliás, será interessante e pedagógico observar como os participantes da conferência irão reagir diante dos problemas reais da Amazônia, como as deficiências de infraestrutura, principalmente, saneamento e transportes, e de moradia decente, com o Pará exibindo cerca de 19% de sua população residindo em favelas e outras “urbanizações” precárias.
Voltando a Clécio Luís, ele apontou a industrialização como uma necessidade da região: “Não dá para a gente mandar só o óleo bruto para ser industrializado [no Sudeste]. Bota a fábrica aqui. Esse é o discurso correto, o caminho do meio.”
As considerações do governador ganham relevância especial diante da divulgação dos dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento da Amazônia Legal por Satélite (Prodes) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), segundo os quais o Amapá é o líder do ranking nacional de preservação ambiental, tendo registrado uma taxa zero de desmatamento entre julho de 2023 e agosto de 2024.
Nada mal, considerando que o estado já tem 73,5% do seu território preservado em unidades de conservação, terras indígenas e quilombolas, fração que o coloca no topo do pódio “verde”, à frente de outros estados com percentuais elevados de preservação, como Roraima, Rondônia, Acre e Amazonas.
No outro lado da moeda, esse “paraíso verde” exibe índices de desenvolvimento que só podem ser descritos como deploráveis
O Amapá é o antepenúltimo dos 27 estados brasileiros em Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), à frente apenas de Alagoas e do Maranhão. É o 19º em PIB (Produto Interno Bruto) per capita.
Cerca de um quarto de sua população vive em favelas (aliás, apesar de ser a menos povoada, a Região Norte tem a maior proporção de favelas do país). Macapá é a segunda pior capital em saneamento, atrás apenas de Porto Velho (RO), com apenas 54% da população tendo acesso à água potável e 8% a esgoto tratado; no interior do estado, a situação é ainda pior.
Talvez, os tecnocratas do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), que se obstinam em bloquear a possibilidade da exploração de hidrocarbonetos no litoral amapaense pela Petrobras, tenham em suas considerações a visão “paradisíaca” do santuário preservado, pensando em evitar que a atividade possa contribuir para catalisar um mais que necessário e urgente impulso de desenvolvimento no estado, com reflexos positivos em toda a região.
Lástima que o “desmatamento zero” tão apreciado pelos seguidores do fundamentalismo ambientalista tenha como contrapartida o desenvolvimento “abaixo de zero” dos amapaenses.
Dificilmente, encontrar-se-á símbolo mais adequado para o discurso farsesco da “sustentabilidade”.
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