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Lorenzo Carrasco

Lorenzo Carrasco

Transição energética

Automóveis elétricos em marcha à ré

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Tidos e havidos como uma das principais respostas ao desafio da transição energética determinada pela suposta crise climática, os veículos elétricos não estão correspondendo no mundo real às expectativas neles depositadas como vetores da “descarbonização” da economia mundial. Em vez disso, poderão tornar-se uma das principais evidências da falta de realismo factual da agenda de substituição acelerada dos combustíveis fósseis em nome do “combate” às mudanças climáticas.

Um exame das vendas globais de automóveis e utilitários elétricos e híbridos parece contestar essa afirmativa. De fato, elas passaram de 2,1 milhões de veículos vendidos em 2018, representando 2% do total de vendas mundiais, para sólidos 23 milhões em 2023, 18% do total, com as estimativas para este ano apontando para 24 milhões, cerca de um quinto do total mundial. Um quadro aparentemente consistente.

Todavia, como afirma o conhecido provérbio, o diabo reside nos detalhes, nem sempre percebidos pelos entusiastas da “descarbonização”. Vejamos alguns dos mais relevantes.

Primeiro, a distribuição das vendas aponta a China como líder mundial, com 60%, seguida pela União Europeia (UE), com 25%, e pelos EUA, com 10%. Ou seja, apenas 5% dos elétricos/híbridos são vendidos fora desses três centros.

A enorme liderança chinesa se deve a vários fatores: opção estratégica do governo por um setor inovador e menos sujeito à competição dos países com parques fabris de veículos convencionais consolidados; pesados subsídios governamentais, da ordem de US$ 100 bilhões entre 2009 e 2023; contratos favorecidos para o transporte público eletrificado; fortes investimentos públicos em infraestrutura de recarga (o país tem 1,8 milhão dos cerca de 3 milhões de eletropostos existentes no mundo); opção por uma tecnologia de baterias mais eficientes (lítio-ferro-fosfato) que as prevalecentes no Ocidente (lítio-níquel-cobalto-manganês); e, não menos, o maior mercado comprador do mundo à disposição, apoiado por generosos descontos no emplacamento e privilégios para a circulação em certas áreas urbanas.

Como em numerosas outras áreas, os ganhos de escala e os custos de produção favoráveis proporcionam enormes vantagens aos fabricantes chineses (15 entre os 25 maiores). 

Um BYD Dolphin Mini é vendido nos EUA por menos de US$10 mil, bem abaixo do seu concorrente local mais próximo, o Chevrolet Bolt EV, que não sai por menos de US$27 mil. No Brasil, ele disputa a posição de elétrico mais barato com o Renault Kwid E-Tech, ambos na faixa de R$115-130 mil.

Um incentivo adicional é a data-limite de 2035 para o encerramento das vendas de automóveis convencionais, igualmente adotada pela UE e, nos EUA, pela Califórnia.

Todavia, a própria China começa a enfrentar problemas com a superoferta e mudanças de hábitos dos consumidores, caso da rápida expansão das empresas de compartilhamento de veículos, que tem levado um grande número de chineses a optar por não mais possuir automóveis particulares. Mas as guerras de preços entre elas provocaram uma queda de qualidade dos serviços e o consequente desapontamento dos clientes. Isso resulta no abandono em massa de veículos em verdadeiros cemitérios que se espalham pelo país, gerando uma fonte de riscos ambientais de solução nada fácil, em especial, quanto ao problemático descarte das baterias.

Uma das consequências é um esforço de exportação desses “excedentes” para outros países, Brasil inclusive, onde a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) estima que já existam cerca de 80 mil deles “encalhados” à espera de compradores.

Igualmente, fora da China, os planos de eletrificação da frota rodoviária estão se defrontando com outros obstáculos do tipo dos que costumam manifestar-se no embate dos planos mais bem elaborados com a realidade.

A começar pelos custos. Os valores de aquisição e seguro, e os índices de depreciação, são consideravelmente superiores aos dos convencionais

No Brasil, elétricos com apenas dois a três anos de uso e baixa quilometragem têm sido vendidos com até 45% de deságio ou mais, dependendo do modelo, como revelou uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo de 9 de setembro.

E há os custos indiretos em subsídios e gastos governamentais com a infraestrutura energética, que ficam por conta dos governos nacionais – e não são baixos.

Em 2023, a Texas Public Policy Foundation dos EUA divulgou o estudo “Expectativas sobrecarregadas: desvendando os custos reais dos veículos elétricos”. O levantamento mostra que, nos EUA, o preço médio de um elétrico/híbrido é US$58 mil, contra US$33 mil para um convencional. 

Ademais, aponta para o elevado custo das baterias, que pode chegar a US$20 mil (em geral, um terço do preço do veículo) e, embora os fabricantes afirmem que elas podem durar mais de dez anos, persistem muitas dúvidas a respeito. E, apesar de o custo de abastecimento ser menor para os usuários, a estimativa dos custos indiretos para uma utilização de dez anos chega a quase US$50 mil em subsídios referentes à infraestrutura elétrica, pagos pelos contribuintes em geral.

Em janeiro deste ano, a locadora Hertz, uma das maiores do país, anunciou a venda de 20 mil elétricos, um terço da sua frota do tipo, devido a uma combinação de desinteresse dos clientes e problemas de manutenção dos veículos.

Em paralelo, grandes fabricantes, como Ford, GM, Volvo, Mercedes-Benz, Volkswagen, Audi e Toyota, estão revendo os seus planos de expansão rápida da produção de automóveis exclusivamente elétricos, embora ainda se mostrem otimistas em relação aos híbridos. Em relação a estes últimos, as japonesas Toyota, Mazda e Subaru estão apostando em uma nova geração de motores a combustão, levando muitos especialistas a duvidar da viabilidade dos elétricos puros a longo prazo.

Na Europa, a Itália anunciou que pedirá à UE a reconsideração da proibição das vendas de veículos convencionais a partir de 2035.

Uma evidência das desconfianças em relação ao setor é o preço do lítio, elemento fundamental das baterias, que despencou para cerca de um quarto do pico da sua cotação internacional atingida em 2022.

Em síntese, em vez da quinta à frente, a panaceia elétrica parece estar engatando a marcha à ré.

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Conteúdo editado por: Aline Menezes

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