O embaixador da COP-30, André Corrêa do Lago, convoca o planeta para uma “guerra” contra a mudança climática, elevada à condição surreal de “inimigo comum” da humanidade.| Foto: Ricardo Stuckert/PR
Ouça este conteúdo

A oito meses da conferência climática COP-30, o problema crucial da precariedade da infraestrutura para a hospedagem das dezenas de milhares de pessoas esperadas ressalta a inconsequência da decisão de sediar o evento numa cidade como Belém–PA. Esta decisão, tomada num impulso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para exibir ao mundo uma COP na Amazônia, está tirando o sono dos organizadores.

CARREGANDO :)

Porém, os fatos sugerem que a dimensão das necessidades foi bastante subestimada por ele e seus auxiliares.

Até agora, entre as numerosas propostas suscitadas, inclusive o aluguel de navios de cruzeiro, o efeito mais visível é uma explosão hiper especulativa dos preços para hospedagens residenciais via aplicativos tipo Airbnb. Os valores chegam a inacreditáveis R$ 2 milhões por 11 dias de hospedagem (mais que um período idêntico na suíte real do Hotel Burj Al Arab Jumeirah de Dubai, um dos mais exclusivos do mundo, com diária de US$ 28 mil).

Publicidade

Como já sugerimos antes, talvez os organizadores do convescote climático pudessem direcionar uma parte dos visitantes, principalmente os entusiasmados representantes de ONGs ambientalistas, para palafitas ribeirinhas e malocas indígenas do entorno de Belém. Isto, além de proporcionar uma bem-vinda renda extra aos locais, daria aos “ecológicos” visitantes uma preciosa experiência das condições de vida reais da maior parte da população amazônica. 

“Mudança climática: um inimigo comum”

Talvez, para desviar a atenção dos problemas da organização em uma cidade que expõe às claras o maior problema ambiental do Brasil e do mundo: a escassez de infraestrutura de saneamento básico, o presidente da COP-30, o embaixador André Corrêa do Lago, acaba de convocar todo o planeta para uma “guerra” contra a mudança climática, elevada à condição surreal de “inimigo comum” da humanidade.

Não, caro leitor, não é esquete do saudoso Casseta & Planeta, mas uma declaração do embaixador dublê de líder guerreiro, feita com toda pompa e circunstância em uma carta aberta divulgada em 10 de março. Suas palavras: 

“Nesta década crítica, o Brasil convoca novamente nossa aliança de povos para, mais uma vez, deixarmos nossas diferenças de lado e nos unirmos para vencer o inimigo comum: a mudança do clima. Se o aquecimento global não for controlado, a mudança nos será imposta, ao desestruturar nossas sociedades, economias e famílias (grifos nossos).” 

Na entrevista na qual divulgou o documento, em Brasília, André Corrêa do Lago deixou evidente a grande preocupação dos articuladores da agenda climática global com o esvaziamento das “finanças verdes”, ponto-chave da agenda, que já se manifestava antes da eleição de Donald Trump e está recebendo golpes devastadores com as medidas tomadas após a sua posse. Ele também deixou claro a intenção das principais potências europeias de desviar centenas de bilhões de euros para uma “nova era de rearmamento”, como afirmou dias atrás a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

Publicidade

“[É um momento em que] os maiores, ou o que se espera que sejam os maiores, entre aspas, doadores [para a ação climática]… um está saindo [do Acordo] de Paris e não parece ter muita intenção de colocar recursos para isso, e os outros estão tendo que desviar os recursos para outras coisas também, um pouco por causa das circunstâncias mundiais hoje”, disse o embaixador-guerreiro. 

Na carta, ele insiste em que o grande problema do planeta é o clima, em uma aparente contribuição para a pretensão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de se firmar como líder “climático” mundial: “a falta de ambição será julgada como falta de liderança, pois não haverá liderança global no século 21 que não seja definida pela liderança climática (sic).” 

Para dar ao argumento um verniz de erudição, chegou a citar a filósofa alemã Hannah Arendt: “Hannah Arendt denunciou a ‘banalidade do mal’ como a aceitação do que era inaceitável. Agora, estamos enfrentando a ‘banalidade da inação’, uma inação irresponsável e também inaceitável.” 

Se estivesse viva, Arendt poderia, talvez, argumentar sobre a banalidade do intelectualismo engajado numa causa anti civilizatória.

Na entrevista, a executiva-chefe da COP-30, Ana Toni, uma veterana operativa do aparato ambientalista internacional, deu sua contribuição para a bizarrice diplomática, com uma comparação que deixaria envergonhada a ex-adolescente rebelde Greta Thunberg:

Publicidade

“A gente tem de perceber que o tema da mudança do clima vai continuar conosco. As guerras vêm, vão. Ficam aí um ano, dois, três… Muita destruição e vão embora. A mudança do clima, ela fica. Vai ficar por muitos anos. A gente sabe disso (grifos nossos).”

Quer dizer, o governo brasileiro está convocando o mundo para uma guerra contra um pleonasmo, considerando que, como se sabe, a mudança é o estado natural do clima da Terra

Em toda a história geológica do planeta, nunca houve e nunca haverá algo como um clima “estático”. O planeta já foi mais quente e bem mais frio do que atualmente, já teve níveis do mar mais elevados e bem mais baixos que os atuais, com menos e com muito mais dióxido de carbono (CO₂) na sua atmosfera. 

Inclusive, as passagens dos períodos mais frios para os mais quentes, e vice-versa, já foram bem mais rápidas do que as oscilações observadas desde meados do século XIX, que não diferem em nada das registradas nos séculos e milênios anteriores. 

Ou seja, como diz o texto bíblico, nada de novo sob o Sol (cuja influência na dinâmica do clima, aliás, tem sido largamente subestimada pelos cultores das mudanças climáticas como instrumento político e financeiro).

Publicidade

Mas, definitivamente, a diplomacia brasileira já viveu dias (bem) melhores.