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O árbitro e o cartunista


(Texto publicado na Gazeta impressa deste sábado, 09.

O árbitro e o cartunista

A atividade profissional de árbitro de futebol e cartunista é parecida, veja só. Cheguei a esta conclusão agorinha mesmo. Se o juiz apita um lance que seja – ou pareça – injusto, descem das arquibancadas os clássicos impropérios, sendo aqueles dirigidos à mãe os principais – pobre mãe… Se soubesse que ao parir o fulano ganharia, além do desejado filho, um ponto para o qual convergiria um extenso rol de injúrias contra sua dignidade, não teria nem começado a namorar o pai da criança, aquele canalha charmoso.

Muito próximo disso acontece com o cartunista. Se erra a mão em sua crítica – ou melhor, em sua tentativa de observação humorada de um momento específico -, uma avalanche de enxovalhos cai sobre sua criativa (?) cabeça. A senhora sua mãe, vez outra, também é jogada no salseiro, lado a lado com a mãe do juiz.

Arbitragem e cartunismo, mesmo sendo atividades de entretenimento, de diversão, são profissões de alto risco, sim. Esses profissionais são, inclusive, ameaçados de morte com mais frequência do que se imagina – ou se deseje. Muitas vezes é coisa da boca para fora, de ânimos, ninharia; mas em outras há perigo real e iminente de que apaguem os “bonecos” dos ditos cujos.

Recentemente um árbitro foi intimidado, bem aqui perto, num simpático estádio – um típico episódio de exaltação. E o cartunista que tente desenhar alguma gracinha com Maomé para ver no que dá. Dúzias de desenhistas que “arriscaram este risco” tiveram de fugir para outro país, trocar de nome. Se você encontrar um garçom que desenha para caramba e tem um sotaque estranho, não faça muitas perguntas a ele. Se o fizer, é capaz de você nunca mais vê-lo. Futebol e religião são barris de pólvora.

Árbitros apitam equilibrando-se sobre um, rolando sobre o gramado. Cartunistas desenham sentados em cima de um tonel de enxofre, salitre e carvão. Deveriam receber um adicional de insalubridade maior do que a própria remuneração.

Claro, essas profissões têm lá seu glamour. Árbitros dão entrevistas, são comentaristas em rádio, tevê, etc. Já vi um que inclusive teve um autógrafo pedido por um garoto, o que, convenhamos, é tão raro quanto avistar onça-pintada. Mesmo assim são bem posudos os homens de preto e amarelo.

Cartunistas, talvez pela dureza e os “riscos” diários da profissão, carregam permanentemente no rosto um ar blasé, do tipo: “Isso eu já desenhei”. E já notou como são “lisos” esses sujeitos? Se esquivam feito suricatos. Tente convidar um cartunista para, digamos, um churrasco de confraria. Ele até vai, mas, quando, é um mistério…

Parafraseando Millôr, o guru do Meyer, árbitros e cartunistas têm todos os motivos para serem xingados e nenhum para serem elogiados.

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(E a charge deste domingo, abajo)


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